Do caderno ao campo
Natália Loureiro é mestre em engenharia zootécnica pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), tendo já participado em vários projectos de investigação no departamento de zootécnica da UTAD e desempenhado várias funções relevantes de apoio técnico aos produtores. Mais recentemente têm apostado na agricultura com formações especificas no campo da agricultura biológica, área na qual é actualmente formadora profissional.
Do caderno ao campo
Numa época em que inflação, poupança e preservação de recursos estão na ordem do dia, o papel fundamental da agricultura na sustentabilidade e independência de um país nunca esteve tão à vista como agora.
Vivemos num planeta de contrastes onde metade da população mundial ainda luta pelo acesso a um dos diretos mais fundamentais: ter comida. Em contrapartida, a restante população está cada vez mais conscienciosa sobre a qualidade da alimentação que adquire.
A preservação ambiental e as mudanças do clima deixaram de ser temas usados nas estratégias de marketing das grandes marcas e passaram a preocupações reais a ter em conta nos planeamentos e objetivos de todos os produtores.
Ser agricultor é ter “a vida” nas mãos todos os dias. Trabalhar com seres vivos implica lidar com as particularidades únicas de cada individuo. É ter a certeza de que o improvável vai acontecer, que o imprevisível tem de ser ponderado no planeamento da produção.
Utilizando as palavras de um dos meus professores: “ser Engenheiro agrónomo ou engenheiro zootécnico, é ser pau para toda a obra. É assumir uma responsabilidade que não tira férias nem feriados.”
Assumir este compromisso é cada vez mais desafiante, mas, para quem ama o que faz, é deveras estimulante e recompensador. Cada planta ou animal é diferente por isso a aprendizagem é diária e constante. Ser agricultor nos tempos modernos exige bons poderes de observação, resiliência e capacidade de adaptação rápida às situações.
Há quinze anos que presto apoio e consultadoria a produtores em diferentes ramos da agricultura e ainda não me deparei com dois problemas iguais. Mesmo situações semelhantes podem exigir resoluções totalmente diferentes já que as condições locais podem fazer com que o que funcionou no terreno de um não resulte no terreno do vizinho.
Refiro a importância da aprendizagem contante para salientar a relevância da formação e ensino profissional. Faz já quatro anos que tenho dedicado cada vez mais tempo a este papel, tendo-me deparado com casos únicos em cada ação de formação que ministrei.
Um dos desafios que parece ser transversal a todos os produtores e empresários é o acesso a informação relevante em tempo útil. Continua a haver uma falta de comunicação e de acesso aos estudos levados a cabo nas universidades e nos centros de investigação. Por outro lado, os resultados positivos obtidos nestas instituições nem sempre são replicáveis em todos os terrenos.
No caso dos pequenos produtores e agricultores familiares a maior dificuldade é ter acesso a apoio técnico no terreno quando se deparam com novos desafios. Sem capacidade financeira para contratar um engenheiro agrónomo, encaram sozinhos os desafios que surgem no decorrer da atividade. As soluções são encontradas por tentativa e erro e muitas das vezes já não chegam a tempo de impedir os prejuízos.
O apoio técnico prestado pelas associações, cooperativas e estações agrárias de norte a sul do país não se revelam suficientes. Sobretudo quando os técnicos têm de navegar diariamente por um mar de papéis e burocracias que os impede de ir para o terreno resolver os problemas reais dos seus associados.
Os grandes produtores e empresários também não estão livres de preocupações já que o aumento de preço dos produtos fitofarmacêuticos e dos fertilizantes, aleados à escassez de água, cada vez mais recorrente, tem levado a uma “ginástica” orçamental cada vez mais complicada.
A conversão para o modo de produção biológica, a economização na rega, a reciclagem de recursos para minimizar as despesas dos tratamentos e da fertilização não são fáceis nem rápidas de implementar. Obrigam a mudanças que, mal implementadas, geram quebras abrutas na produção e nos rendimentos da empresa.
Muitos engenheiros agrónomos e zootécnicos foram educados nos métodos convencionais ou intensivos, necessitando eles próprios de formação e de um período de aprendizagem antes de conseguirem os resultados pretendidos para os seus empregadores. Mesmo estudantes que estão atualmente a terminar licenciaturas referem que não se sentem suficientemente preparados para as novas exigências da agricultura sustentável.
Sei que é mais fácil “apontar o dedo” do que pensar em soluções. Pessoalmente, prefiro adotar uma atitude mais proativa e contributiva. No mundo ideal a burocracia seria reduzida a metade e o número de técnicos no terreno aumentado para o dobro, mas, enquanto “esperamos sentados” que tal ocorra, porque não partilhar informação?
A partilha de experiências e soluções encontradas entre produtores, empresários e técnicos permite percecionar os temas que precisam de mais desenvolvimento e compreender até que ponto a teoria pode ser aplicada no campo. Por sua vez, isto possibilita um ajuste dos cursos de formação disponibilizados, capacitando os formandos para os desafios que vão encontrar “no mundo real”.
Vejamos os benefícios, redução da quantidade de papel despendida, uso mais eficiente dos recursos naturais e proteção do ambiente. Não será esta a definição da economia circular ao setor agrícola?
Da minha parte, continuarei a partilhar o sei e a aprender o que desconheço e assim prestar o meu pequeno contributo para a sustentabilidade da agricultura.
Natália Loureiro