Depois de Rão Kyao, que musicou toda a poesia de “Noite de Pedra”, com os poemas ditos pelo próprio autor-poeta de Moimenta da Beira, gravados em disco vinil em 1974, logo após a Revolução de 25 de Abril, chega agora a vez de Carlos Peninha musicar a faixa mais icónica daquela obra publicada em livro, em 1955, apreendido pela censura.
“A uma bicicleta desenhada na cela”, foi essa a faixa escolhida por Carlos Peninha que, apesar de estar ainda na fase do aprimoramento dos arranjos musicais, decidiu tocá-la e divulgá-la publicamente pela primeira vez na Gala de Natal on-line do Jornal do Centro. Outras, já na forja, se seguirão, podendo resultar num próximo CD.
O poeta Luís Veiga Leitão, que nasceu em Moimenta da Beira a 27 de Maio de 1912 e morreu no Brasil, Niterói, a 9 de Outubro de 1987, onde se deslocara em visita, a convite do então Presidente José Sarney, foi um resistente antifascista e sofreu o cárcere diversas vezes. Numa dessas detenções pela PIDE, em 30 de Março de 1952, ficou em Caxias cerca de um ano. E foi na cela 13 do Aljube, incomunicável, que iniciou a redacção mental dos poemas que memorizava, dizendo-os repetidas vezes em voz alta e guardando-os na memória [o guarda ao ouvi-lo chegou a pensar que estava louco…]. Viria a publicá-los em 1955 num livro com o título “Noite de Pedra” [imagem da noite fascista], que foi logo apreendido pela censura.
“A uma bicicleta desenhada na cela” é considerada a faixa mais icónica de “Noite de Pedra” por se tratar de um magnífico conseguimento poético... neo-realista!: a bicicleta como metáfora da fuga, da hipótese de liberdade, da esperança contra o espaço claustrofóbico da cela, ali "onde o dia é mal nascido". A bicicleta desenhada, e a "mão" desconhecida que a "criou", confundem-se, num movimento comunicante, com a mão que escreve o poema, fazendo deste a outra bicicleta que assegura ao poeta a possibilidade de viajar "para além de" si e das paredes que o oprimem.
O pequeno poema, na íntegra, agora musicado por Carlos Peninha:
Nesta parede que me veste/ da cabeça aos pés, inteira, / bem hajas, companheira, / as viagens que me deste. / Aqui, / onde o dia é mal nascido, / jamais me cansou/ o rumo que deixou /o lápis proibido... / Bem haja a mão que te criou! / Olhos montados no teu selim/ pedalei, atravessei / e viajei / para além de mim.
Carlos Peninha é um viseense, nascido em 1962, que na juventude se interessou por aprender a tocar guitarra como autodidacta, e em consequência disso acabou por procurar estudar música, tornou-se músico, compositor e autor, e professor de educação musical! Após estudos nos conservatórios de Aveiro, Viseu e Porto, e Escola de Jazz do Porto, fez parte da fundação do Quinteto Jazz de Viseu, um projecto a que deu uma certa continuidade com o seu próprio quarteto que mantém até hoje.
Paralelamente começou a colaborar com o projecto teatral do Trigo Limpo Teatro Acert, de Tondela, nas suas várias valências de produção artística! Música para peças de teatro, espectáculos que misturam a palavra dita com a música como “Soltar a Língua”, “Cantos da Língua” e “A Côr da Língua”, entre muitas outras aventuras teatrais, onde tocou guitarras e piano, criou música, gravou CDs e fez direção musical!
Participou com o Trigo Limpo Teatro Acert em projectos de intercâmbio cultural com estruturas culturais da Galiza, Moçambique, Brasil, Alemanha, e também com outros projectos no Reino Unido, Espanha, França e Suíça!
Esteve envolvido também em projectos de outras estruturas, como da D'Orfeu, Teatro do Montemuro, Entretanto Teatro, Teatroesfera, A Barraca e Teatro Viriato entre outros. Fez várias participações em gravações, com destaque entre outros, para CDs de José Medeiros, realizador e músico açoriano, e também no CD A Viagem do Elefante como músico da Cor da Língua Acert, trabalhando arranjos para a música de Luís Pastor. Recentemente, conseguiu concretizar dois projectos mais pessoais com a gravação em 2017 do CD Tocar o Chão, e em 2019 o CD Ponto de Vista.