Vamos sentir e estremecer juntos nos Festivais Gil Vicente 2023

Vamos sentir e estremecer juntos nos Festivais Gil Vicente 2023
Fotografia: Filipe Ferreira

A 35ª edição dos Festivais Gil Vicente decorre de 1 a 10 de junho revelando a vida e energia da criação, entre o CCVF e o CIAJG, em Guimarães, num percurso que nos leva a explorar novos lugares que a arte nos demonstra serem possíveis rumo à construção de uma história e um futuro mais prometedores para todos. E estes novos universos não são vazios nem em forma nem conteúdo. São várias as estreias e as co-produções que aqui se descobrem, demonstrando a vivacidade da nova criação (às mãos de nomes como Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema; Tita Maravilha; Plataforma285; Teresa Coutinho; silentparty; e Luís Mestre), das cooperações frutíferas em rede (como são exemplos o Projecto CASA e a Bolsa Amélia Rey Colaço), bem como conversas e debates que nos aproximam (público e artistas) e promovem o pensamento em torno de matérias actuais que nos tocam regularmente e a que a arte, e o teatro em particular, se dedica a reflectir. E tudo isto sob uma política de acessibilidade com momentos de acesso gratuito e espectáculos com descontos até 50%. Preparemo-nos para estremecer a valer para sentir mais fundo. 

Nesta edição de 2023, o director artístico dos Festivais Gil Vicente (Rui Torrinha) propõe “fazer estremecer as fundações do tempo e do espaço”, lembrando que a “o teatro, arte política por natureza, no seu discurso e acção, tenta encontrar ideias e dispositivos para desencadear relações com a problemática social actual.” 

E nada melhor do que começar, logo no dia 1 de junho (às 21h30, tal como em todos os espectáculos), pela releitura da história e de uma nova interpretação do significado dos mitos, para nos lançarmos de forma corajosa numa outra escrita que preencha o espaço entre a ficção e a realidade em “Cosmos”, peça em que as criadoras Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema propõem uma viagem interplanetária, onde, através do resgate da mitologia africana e da revisão de eventos históricos do passado, se questiona a humanidade e o caminho percorrido até aos dias de hoje. Uma jornada de dez intérpretes – Ana Valentim, Alberto Magassela, Bruno Huca, Cleo Diára, Cirila Bossuet, Manuela Paulo, Mauro Hermínio, Paulo Pascoal, Puta da Silva e Rita Cruz – em busca de novas possibilidades de futuro.

No caminho desta edição dos Festivais Gil Vicente (FGV), a 2 de junho reencontramos referenciais clássicos que servirão de base para novas estórias de vida que, entretanto, se desenham sem pedir licença neste tempo de grande transformação. Tita Maravilha apresenta-nos “As Três Irmãs”, uma abordagem tropical ao universo de Tchékhov, a partir de uma leitura pós-contemporânea e multidisciplinar do clássico com o mesmo nome. Nesta criação – vencedora da Bolsa Amélia Rey Colaço, uma iniciativa promovida pelo Teatro Nacional D. Maria II (Lisboa), A Oficina / Centro Cultural Vila Flor (Guimarães), O Espaço do Tempo (Montemor-o-Novo) e o Teatro Viriato (Viseu) –, Diogo, Macha e Irina vivem numa cidade no interior da Rússia, aborrecidas com o dia a dia da província, que as isola e castra os seus sonhos, desejando acima de tudo voltar a Moscou/Moscovo, a sua terra natal. Nesta co-produção que envolve A Oficina / Centro Cultural Vila Flor, Tita Maravilha propõe uma narrativa onde os conceitos basilares da sociedade normativa são revisitados a partir das subjectividades de cada uma destas três irmãs, antecipando que nada mais ficará na mesma.

O dia 3 dos FGV, coincidindo com o dia 3 de junho, leva-nos numa viagem delirante da Plataforma285, envolta pela mercantilização e o capitalismo dos afectos, no sentido especulativo entre o que somos, sentimos e projectamos. “all you can eat” é um espectáculo transdisciplinar que cruza teatro, performance, instalação, dança e concerto ao vivo, que busca reclamar o direito ao ócio, enquanto se descobre cada vez mais preso, cada vez mais produtivo, cada vez mais rentabilizado. Se, por um lado, exigimos o direito ao descanso e ao aborrecimento, por outro são cada vez mais os estímulos que desvirtuam esse não-fazer-nada, criando a sensação de que esse tempo deve ser ocupado sob pena de não o estarmos a aproveitar. E assim se levante uma reflexão: entre viagens, ioga, meditação, exercício físico, workshops, actividades de degustação, como é que esse tempo já foi mercantilizado por um capitalismo dos afectos e do tempo? 

Dando um passo maior, desta feita até ao dia 8 de junho, e cruzando os territórios da pesquisa e da autobiografia, Teresa Coutinho tenta aferir, em “Solo”, de que forma o teatro e o cinema contribuíram para a construção de uma ideia de Mulher que a moldou ou que quis repudiar: tanto no que diz respeito à sua imagem como a uma ideia mais generalista de beleza, de sexualidade, de força e de vulnerabilidade. O que é que, a reboque destas influências, se viu obrigada a reservar ou expor; o que lhe foi transmitido pelas mulheres da sua família, através da sua grande mestria do silêncio, expondo a condição feminista que a caracteriza e a move. 

Nesta edição, o teatro também abraçará exercícios experimentais e poéticos que propõem um olhar influenciado pela arquitectura do lugar: como fazer um esboço de um edifício que permita a emancipação permanente dos corpos que o habitam, enquanto lhes devolve a possibilidade de uma existência em conjunto? A interrogação é-nos colocada pelos silentparty. A descoberta de outras possibilidades será assim ensaiada. Em “Um Quarto Só Para Si”, é proposta uma sobreposição dos modos de organização do espaço e dos corpos no teatro com os da arquitectura, acreditando que experimentar diferentes modelos de construção – de espectáculos e de edifícios – é um exercício de imaginação de sociedades possíveis. Esta co-produção Projecto Casa (Espaço do Tempo, Teatro Louletano e A Oficina / Centro Cultural Vila Flor) e Teatro Municipal do Porto é aqui apresentada em estreia absoluta a 9 de junho.

E no fecho desta edição, surge uma outra estreia absoluta a 10 de junho, com o humanismo e o existencialismo a serem capturados como fonte inesgotável para a formação de um campo sensível, em “Noite de Verão” de Luís Mestre, inserida na Tetralogia das Estações. Dois millenials acabam de se conhecer, um homem e uma mulher que atravessaram duas crises assimétricas em dez anos: a financeira e a pandémica. Estão num Verão quente e querem sentir uma leveza acolhedora, intangível, algo que perderam precocemente nas suas curtas vidas. Aparentemente, falam de coisas banais, leves. Mas o que realmente querem dizer (nesta co-produção Teatro Municipal do Porto, Casa das Artes de Famalicão, Cineteatro Louletano, 23 Milhas, A Oficina / Centro Cultural Vila Flor, Cine Teatro de Estarreja, Teatro Municipal de Bragança e Teatro Nova Europa), aquilo de que verdadeiramente falam, voz e corpo, é sobre as suas ansiedades e os seus medos.

As habituais e essenciais actividades paralelas do evento não poderiam ser esquecidas, sendo promovidas nesta edição pelo Teatro Oficina e pelo seu director artístico convidado (Mickaël de Oliveira), tocando a noção de ‘gesto artístico’ e aproximando público, criadores, intérpretes e equipas artísticas em momentos de conversa pós espectáculos e debates. 

Acontecem assim três conversas após os espectáculos “As Três Irmãs”, “Um Quarto Só Para Si” e “Noite de Verão”, a 2, 9 e 10 de junho, respectivamente. Sendo facto que a noção de ‘gesto artístico’ tem animado a reflexão estética, ética, moral e, de certa forma, ontológica das artes no ocidente, com ênfase a partir do romantismo e com ainda mais escala no modernismo, são também promovidos dois painéis de debate sobre a questão do gesto artístico, nas tardes de 3 e 10 de junho. O primeiro – “O que fundamenta o gesto artístico” – visa dar lugar a artistas, programadores e outros agentes culturais para que possam partilhar o seu trabalho e a manufactura rizomática do seu gesto. “Como apoiar a radicalidade do gesto artístico” prolonga a discussão para pensar os desafios que o sector das artes performativas portuguesas enfrenta no apoio ao aparecimento, visibilizarão e consolidação de novos gestos singulares.  

Os Festivais Gil Vicente 2023, co-organizados pel' A Oficina, Câmara Municipal de Guimarães e Círculo de Arte e Recreio, dispõem de um conjunto de assinaturas e descontos promovendo a acessibilidade aos espectáculos desta edição. Assim, é possível usufruir de um desconto de 40% na assinatura que dá acesso a 4 espectáculos à escolha, um desconto de 30% na assinatura de 3 espectáculos à escolha e um desconto de 20% na assinatura de 2 espectáculos à escolha. A acessibilidade também é pensada para Profissionais das Artes do Espectáculo, Alunos de Artes Performativas, Alunos das Oficinas do Teatro Oficina, Membros do Gangue de Guimarães, e Membros dos Grupos de Teatro de Amadores do concelho de Guimarães, através de um desconto de 50% de desconto na compra de bilhetes para cada um dos espectáculos. 

Os bilhetes individuais para cada um dos espectáculos desta edição têm um valor de 7,50 euros ou 5,00 com os descontos habituais. As assinaturas, bem como os bilhetes individuais para cada espectáculo, podem ser adquiridas online em aoficina.pt (onde é possível consultar toda a informação acerca da programação deste evento) ou presencialmente nas bilheteiras dos equipamentos culturais geridos pel’A Oficina como o Centro Cultural Vila Flor (CCVF), o Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG), a Casa da Memória de Guimarães (CDMG) ou a Loja Oficina (LO), bem como nas lojas Fnac, Worten, El Corte Inglés e outras entidades aderentes da BOL.