A Escola da Noite ensaia Trilogia de Alice, de Tom Murphy, com encenação de Nuno Carinhas

A Escola da Noite ensaia Trilogia de Alice, de Tom Murphy, com encenação de Nuno Carinhas
Fotografia: D.R.

A Escola da Noite está a preparar a sua próxima produção: “Trilogia de Alice”, do dramaturgo irlandês Tom Murphy. O espectáculo é encenado por Nuno Carinhas e estreia no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, a 27 de Março, Dia Mundial do Teatro, encerrando as comemorações do trigésimo aniversário da companhia.

Inédita em Portugal, “Trilogia de Alice” foi escrita em 2005 e originalmente produzida pelo Royal Court Theatre, em Londres. A peça oferece-nos uma viagem por três momentos da vida de uma mesma personagem (Alice, uma doméstica casada com um banqueiro de sucesso, mãe de filhos), ao longo de três décadas e meia – entre os anos 80 do século XX e o início do século XXI.

A jornada, adianta o encenador, relata a “peregrinação interior” desta mulher, através de “ligações, em tempos alternados, de experiências, de descobertas, de anseios” da personagem e de “breves relatos de vidas que se cruzam com a sua, respectivos gestos falhados e (des)ilusões”. “Talvez sejam só fantasmas em viagem, que transportam o desconforto da existência cheia de 'desconhecido a que dão o nome de Deus'” – acrescenta Nuno Carinhas, citando uma das frases de Alice.

Responsável pela apresentação em Portugal de várias obras da dramaturgia irlandesa contemporânea, o encenador afirma que “esta Alice multiplicada está inscrita na linhagem do teatro irlandês das personagens femininas com voz, que se contam por direito e necessidade de partilha. Mulheres que combatem, com as palavras ditas, a dificuldade de existirem”.

Uma equipa reforçada em ano de aniversário

Com a tradução, encomendada para o efeito, de Paulo Marques Dias, a peça de Tom Murphy foi o texto escolhido para encerrar as comemorações dos 30 anos d'A Escola da Noite e assinala o regresso de Nuno Carinhas ao trabalho com a companhia, três décadas depois de aqui ter encenado “Comédia Sobre a Divisa da Cidade de Coimbra”, de Gil Vicente, em 1993.

Ao elenco residente do grupo – Ana Teresa Santos, Igor Lebreaud, Miguel Magalhães e Ricardo Kalash – junta-se a actriz Rita Brütt, precisamente no papel de Alice. A equipa artística inclui ainda uma outra estreia na companhia – o arquitecto e cenógrafo Henrique Pimentel –, Ana Rosa Assunção (figurinos), Danilo Pinto (luz) e Zé Diogo (som).

A 75.ª criação d'A Escola da Noite tem estreia marcada para o próximo Dia Mundial do Teatro (27 de Março) e cumprirá no Teatro da Cerca de São Bernardo a habitual temporada de quatro semanas.

Tom Murphy

Nasceu em Tuam, no Condado de Galway, Irlanda, em 1935. Trabalhou como metalúrgico e professor antes de se tornar escritor a tempo inteiro. Morreu em 2018, na cidade de Dublin.

As suas obras – muitas das quais encenadas pelo Abbey Theatre (Dublin) e pelo Druid Theatre (Galway) – têm sido levadas à cena em todo o mundo. Escreveu mais de duas dezenas de peças teatrais, entre as quais A Whistle in the Dark (1961), The Sanctuary Lamp (1976), O Concerto de Gigli (1983, levada à cena pela Assédio em 2009, com tradução de Paulo Eduardo de Carvalho e encenação de Nuno Carinhas, em co-produção com o TNSJ), Too Late for Logic (1989), The Patriot Game (1991), The Wake (1998), Trilogia de Alice (2005), The Last Days of a Reluctant Tyrant (2009) e Brigit (2014).

Em 2004 publicou o romance The Seduction of Morality. Foi membro da Irish Academy of Letters e foi distinguido com diversos prémios, incluindo dois doutoramentos honoris causa (Trinity College (Dublin) e National University of Ireland (Galway). Em 2007 foi eleito como Saoi, título honorífico da Aosdána, organização de artistas irlandeses no âmbito do Arts Council, a Agência Nacional para o financiamento, desenvolvimento e promoção das artes na Irlanda.

Num texto publicado em 2009, no programa do espectáculo O Concerto de Gigli, o investigador e professor universitário Paulo Eduardo de Carvalho definia-o como “um dramaturgo apostado na exploração da identidade individual e comunitária, denunciando a distância entre os ideais projectados pelos fundadores do Estado irlandês e pela Igreja Católica e as condições em que as pessoas efectivamente vivem as suas vidas, os seus estados mentais e emocionais”. “A violência e, muitas vezes, a fúria que atravessam as suas peças – acrescentava o especialista em teatro irlandês contemporâneo – apresentam-se como resultado das pressões criadas quando as pessoas têm de viver de acordo com um conjunto de regras que nada têm a ver com a realidade”.

Nuno Carinhas

É pintor, cenógrafo, figurinista e encenador. Foi director artístico do Teatro Nacional São João entre 2009 e 2018. Como encenador, destaca-se o trabalho realizado com o TNSJ e com estruturas e companhias como Cão Solteiro, ASSéDIO, Ensemble – Sociedade de Actores, Escola de Mulheres e Novo Grupo/Teatro Aberto. Como cenógrafo e figurinista, trabalhou com Ricardo Pais, Fernanda Lapa, João Lourenço, Fernanda Alves, Jorge Listopad, João Reis, Nuno M Cardoso, Paula Massano, Vasco Wellenkamp, Olga Roriz e Paulo Ribeiro, entre outros.

Dos espectáculos encenados para o TNSJ, refiram-se os seguintes: O Grande Teatro do Mundo, de Calderón de la Barca (1996); A Ilusão Cómica, de Corneille (1999); O Tio Vânia, de Tchékhov (2005); Todos os Que Falam, quatro dramatículos de Samuel Beckett (2006); Breve Sumário da História de Deus, de Gil Vicente (2009); Antígona, de Sófocles (2010); Exatamente Antunes, de Jacinto Lucas Pires, a partir de Almada Negreiros, co-encenado por Cristina Carvalhal (2011); Alma, de Gil Vicente (2012); Casas Pardas, de Maria Velho da Costa, com dramaturgia de Luísa Costa Gomes (2012); Ah, os dias felizes, de Samuel Beckett (2013); O Fim das Possibilidades (2015), de Jean-Pierre Sarrazac e O Resto Já Devem Conhecer do Cinema (2019), de Martin Crimp, ambos co-encenados com Fernando Mora Ramos; Os Últimos Dias da Humanidade, de Karl Kraus, co-encenado por Nuno M Cardoso (2016); Fã, um musical dos Clã; Macbeth (2017) e Otelo (2018), de William Shakespeare, e Uma Noite no Futuro, a partir de textos de Samuel Beckett e Gil Vicente (2018). A convite da Casa da Música, encenou Quartett, ópera de Luca Francesconi, adaptação do texto de Heiner Müller (2013), e Viagem de Inverno, reinterpretação de Hans Zender do ciclo de canções de Schubert, com poemas de Wilhelm Müller (2016). No Teatro Nacional de São Carlos encenou Blimunda, de Enzio Corghi (2022).

Encenou ainda textos de autores como Federico García Lorca, Brian Friel, Tom Murphy, Frank McGuinness, Wallace Shawn, Jean Cocteau, Luigi Pirandello, António José da Silva, Luísa Costa Gomes, entre outros.