Quase um ano depois de a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) ter tornado públicas as imagens chocantes de aves mortas em redes de protecção de aquaculturas, a situação mantém-se um pouco por todo o país, com episódios recentes registados na zona da ria de Aveiro pelo núcleo local da Quercus. E o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) continua a não agir. A SPEA, associação Milvoz, ANP-WWF Portugal, Sciaena, GEOTA, APECE e OMA exigem agora que os Ministérios do Ambiente e do Mar, sob cuja tutela se encontram as autoridades responsáveis pela fiscalização e regulamentação do sector, abandonem a inércia e implementem soluções, para que a salvaguarda das aquaculturas não seja uma ameaça às aves selvagens.
“Existem soluções técnicas, existe abertura por parte do sector, mas falta claramente vontade política, tanto no Ministério do Ambiente como no Ministério do Mar, para impedir que as aves continuem a morrer”, diz Joana Andrade, coordenadora do Departamento de Conservação Marinha da SPEA.
Corvos-marinhos, águias, garças e outras aves procuram alimentar-se dos peixes que estão a ser criados nos tanques de aquacultura. Os aquacultores, para proteger o seu sustento, colocam redes sobre a superfície dos tanques para impedir que as aves cheguem ao peixe. Segundo a lei, essas redes apenas podem ser instaladas mediante uma licença do ICNF, que deverá garantir que não sejam afectadas espécies protegidas. No entanto, um grande número de aquaculturas em Portugal tem instaladas redes onde ficam presas todos os anos inúmeras aves, incluindo espécies protegidas como a águia-sapeira e o pernilongo. Perante estes factos, é evidente que as autoridades responsáveis pela monitorização e fiscalização das aquaculturas, nomeadamente o ICNF e a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), não estão a cumprir o seu dever.
“Existem fundos europeus para mitigar o impacto ambiental das aquaculturas, que estão muitas vezes localizadas em áreas protegidas; é urgente mobilizar esses fundos” diz Joana Andrade. “Só assim estaremos a promover uma aquacultura mais sustentável.”
As redes problemáticas são feitas de fio de nylon fino e transparente, praticamente invisível para as aves. Ao voarem em direcção ao tanque, as aves embatem no fio e ficam com cortes profundos no corpo e nas asas, chegando a morrer afogadas. Outras ficam enrodilhadas nesta armadilha e passam horas a tentar soltar-se, acabando por sucumbir à exaustão, fome e desidratação. Por isso, a intervenção rápida e adequada dos aquacultores pode fazer a diferença.
A Associação Portuguesa de Aquacultores tem-se mostrado empenhada em encontrar soluções, com alguns aquacultores inclusive a pedirem conselhos à SPEA sobre como evitar que morram aves nas suas explorações. O entrave tem vindo sempre das autoridades que deveriam proteger a Natureza. SPEA, Associação MilVoz, Associação Portuguesa de Aquacultores, Oriolus, ICNF e DGRM chegaram mesmo a delinear um conjunto de procedimentos que os aquacultores deveriam seguir sempre que encontrassem aves nas suas redes. Estes procedimentos poderiam salvar aves, mas não chegaram a ser divulgados pelo ICNF nem pela DGRM, que assim voltaram a não dar resposta à sociedade civil.
A falha das autoridades é ainda mais incompreensível dado que existem soluções alternativas que podem reduzir esta mortalidade. Existem redes pretas, que as aves mais facilmente vêm, que poderão permitir-lhes desviar-se a tempo. Usando uma malha mais apertada, estas redes evitariam também que as aves ficassem presas. E podem ser usadas juntamente com medidas para afugentar as aves, como fitas coloridas ou réplicas de predadores. Estas e outras soluções deveriam ser testadas, monitorizando de perto a sua eficácia.
“As autoridades portuguesas têm de agir, e agir já. Pelo imperativo moral de impedir a morte destas aves, pela obrigação legal de proteger espécies ameaçadas, e pelo dever de salvaguardar o futuro deste sector económico”, reitera Joana Andrade.