"Na Cama com Ofélia" no Teatro da Rainha
Quem é Ofélia? A noiva do Príncipe Hamlet cantada por Jean-Arthur Rimbaud e pintada por Sir John Everett Millais? Ou a jovem dactilógrafa com quem Fernando Pessoa se correspondeu, depois de lhe recitar versos de Shakespeare? Talvez nenhuma das duas, talvez um pouco de ambas. Ofélia é certamente mulher, tem corpo de mulher, sonha, deseja, ama. Cativa no interior de uma ilusão, desta pretende libertar-se tornando-se real. Conseguirá levar a cabo tamanho desígnio? Em cena, a actriz Marta Taveira oferece-lhe corpo. Garantimos não haver Ofélia mais autêntica do que esta personagem representada por quem lhe oferece nervo e músculo. Corpo em torno do qual três criaturas imaginárias, heteronímicas, andam à deriva sondando as paredes da fantasia. Aos actores António Parra, Fábio Costa e Ricardo Soares cabe oferecerem física à química deste «romantismo só ismo, ismo, ismo.»
Resultado de uma encomenda feita pelo Teatro da Rainha, a peça “Na Cama com Ofélia” marca a estreia de Henrique Manuel Bento Fialho na escrita para teatro. Começou a publicar há 25 anos, distribuindo-se por géneros como a poesia, o ensaio, a micronarrativa e o conto.
Com encenação de Fernando Mora Ramos, cenografia de José Serrão, figurinos de Sara Miro e iluminação de Jorge Ribeiro, “Na Cama com Ofélia” coloca em cena uma dimensão onírica que tem por base a linguagem da epistolografia trocada entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, mas excede as cartas num procedimento de intertextualidade que parodia as fronteiras entre o verdadeiro e o falso, a realidade e o sonho, a substância e o ideal. Num cenário que é um quarto, as cenas desenvolvem-se tal como nos sonhos as fronteiras se estilhaçam e o pensamento lógico desaparece. O que neste texto existe de lírico é sabotado pelo cómico, o que nele há de cómico acaba minado pelo trágico: «Lá fora, a vida continua.» Em cena, no Teatro da Rainha, a partir de 17 de Fevereiro, até 12 de Março.