100 anos após o seu nascimento, recordemos Saramago - A “Pérola do Atlântico”

100 anos após o seu nascimento, recordemos Saramago - A “Pérola do Atlântico”
Fotografia: Hugo Reis

O som da água acompanha cada passo que damos junto à Levada do Risco, uma das mais antigas da ilha da Madeira. Corre calma entre o denso nevoeiro, apenas se agita nalguma inclinação, e por isso não adivinhamos o final, simultaneamente belo e imprevisível: é a cascata do Véu da Noiva, em Porto Moniz, que em forma de cortina líquida se despenha no Oceano Atlântico. Com uma extensão de quase 3 mil quilómetros, estes canais são obras de engenharia únicas e verdadeiras atrações turísticas, uma das melhores formas de descobrir o arquipélago. As levadas foram construídas a partir do século XVIII para levar a água do norte para o sul da ilha e ainda hoje servem parra irrigar os campos e produzir eletricidade. Podemos percorrê­-las todas a pé, entrando no coração da Madeira e em paisagens de cortar o fôlego. Dos zero aos 1862 metros a emoção é garantida...

O que dizer quando se fala da Madeira? Que é o melhor destino insular do mundo? (distinção atribuída em 2015 pelos World Travel Awards, uma espécie de óscares do turismo a nível mundial) Que tem a melhor a melhor praia de dunas de Portugal? (Porto Santo) Que o Funchal é a cidade europeia que mais promove a mobilidade sustentável? Este território único, que continua a somar prémios de turismo nacionais e internacionais, foi este verão assolado por um incêndio de proporções dantescas, que fez três vítimas mortais, cerca de mil desalojados temporários e prejuízos superiores a 150 milhões de euros. O Funchal foi a cidade mais atingida, com mais de três centenas de casas danificadas pelas chamas. As altas temperaturas – média de 29,6º C –, o vento forte e a humidade muito baixa dificultaram o combate a um incêndio que para o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, teve mão criminosa. A Polícia Judiciária fez três detenções.

É precisamente pela capital do arquipélago que começamos esta viagem, em forma de apelo para que visitem a Madeira. Seguimos a bordo de um “carro de cesto”, um tipo de transporte muito sui generis que nos leva a percorrer em dez minutos os dois quilómetros que separam a freguesia do Campo da localidade do Livramento, no Funchal: as viaturas, produzidas artesanalmente com vimes e madeira, têm dois lugares sentados e são conduzidas pelos “carreiros”, homens trajados de branco e com chapéu de palha na cabeça que utilizam como travões as próprias botas, com grossas solas de borracha. Há quem escolha o teleférico que faz a ligação à Zona Velha do Funchal, numa viagem de 11 minutos que permite contemplar as baías e os vales da cidade.

Com cerca de 500 anos, o Funchal é o maior centro turístico, comercial e cultural da Madeira, dispondo de um porto com gare moderna por onde passam anualmente cerca de 500 mil pessoas, muitas viajando em cruzeiros. O nome da capital madeirense vem de uma erva brava com cheiro adocicado, o Foeniculum Vulgare, tradicionalmente conhecida por Funcho, que existia na altura do povoamento da ilha.

Seguimos para Santo António, onde fica o Miradouro do Pico de Barcelos, construído em 1950 a cerca de 355 metros de altitude, do qual avistamos o mesmo cenário, mas agora com as Ilhas Desertas em segundo plano. Foi nesta freguesia que nasceu o melhor futebolista do mundo, Cristiano Ronaldo, em 1985. Se a paisagem já faz tremer o viajante, o que dizer do Cabo Girão, o promontório à beira-mar mais alto da Europa e o segundo maior do mundo? Do alto dos seus 580 metros temos vista panorâmica desde a cidade de Câmara de Lobos até à baía do Funchal.

O nome deste concelho vem da época da descoberta da ilha: quando chegaram àquela enseada, os navegadores avistaram uma grande quantidade de lobos-­marinhos, que ainda hoje surgem ocasionalmente na costa sul, havendo mesmo uma colónia preservada nas Desertas. Foi nesta cidade que começou por habitar João Gonçalves Zarco, que com Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo descobriu a ilha da Madeira no ano de 1419. Winston Churchill passou por aqui em 1950, pintando a baía de Câmara de Lobos, como prova uma fotografia do antigo primeiro-­ministro inglês de pincel na mão e charuto na boca sentado num local privilegiado, entretanto transformado no miradouro do Espírito Santo e Calçada.