Vivarium Festival 2022
A Saco Azul - Associação Cultural e os Maus Hábitos voltam a unir forças e esforços para erguer mais uma edição do Vivarium Festival, numa programação que reúne múltiplas formas de expressão artística tendo como temática comum o complexo cruzamento entre o natural e o artificial na contemporaneidade.
No fim de semana de 18 e 19 de Novembro, o Maus Hábitos - no Porto - e o Café Concerto do Teatro de Vila Real recebem a 3ª edição do festival dedicado à exploração dos múltiplos planos de intersecção entre o orgânico e o tecnológico, com uma programação recheada de concertos, performances, exposições e conversas.
Continuando a aposta na diversidade de expressões artísticas e origem geográfica dos participantes, esta edição é também marcada pela experiência de diluição da distância entre as duas cidades recorrendo ao intercalar entre os eventos ao vivo, que acontecem em cada espaço, com a transmissão streaming do que se realizará no espaço congênere. Isto permitirá ao público desfrutar na íntegra do festival que contará com os concertos de Lucrecia Dalt (Colômbia), Mai Mai Mai (Itália), Luís Fernandes (Portugal) e Tatsuro Arai (Japão), as performances de Inês Tartaruga Água (Portugal), Tarik Bari + Sote (Holanda), Khyam Allami (Iraque) e Carincur (Portugal) e a exposição da artista audiovisual Mariana Vilanova, em patente nos dois espaços.
O Vivarium Festival, na sua terceira edição, escolhe como tema “O novo rouxinol do Imperador” convidando artistas, pensadores e público para uma reflexão e experiência de múltiplos planos em que podemos observar a intersecção exploratória do orgânico e do tecnológico, com uma programação recheada de concertos, performances, exposições e conversas.
Em meados do século XIX, no conhecido conto “O ROUXINOL DO IMPERADOR”, Hans Christian Andersen colocava lado a lado um “rouxinol verdadeiro que cantava com o coração e outro, com molas e cilindros de aço” que cantava sempre igual, sempre com precisão.
Neste conto moral, as duas vozes, embora igualmente belas, “não combinavam”.
O imperador, ao longo do conto, aprenderá a admirar a impressibilidade e liberdade do rouxinol vivo em detrimento da exatidão do mecânico, desprovido de vontade e dependente de quem o acionasse. Este conto deixa transparecer o misto de fascínio e ansiedade que a revolução industrial trouxe consigo, colocando em conflito o vitalismo e o mecanicismo.
Pela mesma altura, o jovem Marx tecia duras críticas ao “materialismo contemplativo” de Feuerbach e do que designava de “Ideologia Alemã" por uma contraposição truncada entre Homem e Natureza, lembrando que “o mundo sensível que nos rodeia não é uma coisa dada diretamente da eternidade, sempre igual a si mesma, mas antes o produto da indústria e do estado em que se encontra a sociedade... Mesmo os objetos da mais simples ‘certeza sensível’ são-lhe apenas dados por meio do desenvolvimento social, da indústria e do intercâmbio comercial”.
A Natureza modela o Homem e o Homem, enquanto Homem, modela a Natureza, numa interação profícua e contínua.
Mais de um século depois, no galardoado livro “A NOVA MENTE DO IMPERADOR”, o físico-matemático Roger Penrose contrastava a inteligência humana e a Inteligência artificial, reconhecendo à primeira uma capacidade imprevisível e incalculável ("não-algorítmica") de lidar com situações que nos requerem “formar juízos novos e em que não foram previamente fixadas as regras”.
A diferença não se prende aqui em conseguir seguir regras dadas para chegar a soluções mas de poder criar novas regras capazes de lidar adequadamente com novos problemas. A contraposição entre o vital e o mecânico, no plano da vida material, é alargada a um novo antagonismo entre o natural e o artificial, mas agora já no plano espiritual.
Na verdade, o contraste entre a imprevisibilidade do orgânico e a previsibilidade do artificial, tem vindo a ser diluída na última década pelos novos paradigmas no campo da inteligência artificial ligados ao “deep learning”, o que têm vindo a libertá-la da restrição a operações pré definidas e fechadas, sem que por isso se preveja poder dispensar o humano como agente problematizador por excelência.