100 anos após o seu nascimento, recordemos Saramago - A Porca de Murça

"Quer um bocadinho?". A mulher que Saramago encon­trou aqui não precisou de formular a pergunta, bastou um olhar. O escritor provou e gostou do pão, que melhor sabe­ria ainda acompanhado de um presunto, salpicão, linguiça ou alheira de Chaves. A sublime Ponte de Trajano é o mais emblemático vestígio desta que foi uma importante cidade romana, então chamada de Aquae Flaviae. Sente-se um ambiente familiar em cada canto da urbe, como se cada rua, cada casa, cada loja ou café, nos convidasse a entrar.

Quem nos recebe em Murça, mais para sul, é uma gi­gante porca de granito. Diz a lenda que, no século VIII, esta povoação era assolada por javalis e ursos, de entre os quais se destacava uma fêmea de monstruosa corpulência que os caçadores não conseguiam matar. O animal acabou por ser abatido pelo senhor de Murça e em homenagem os habitantes construíram o monumento de granito e com­ prometeram-se a dar ao senhor e seus herdeiros, até ao fim do mundo, três arráteis de cera anualmente, sendo pago este foro mesmo junto à porca.

Chegamos agora a Vila Real, mas não temos a sorte de Saramago, que pôde conhecer a sobrinha-neta de Camilo Castelo Branco e com ela travar uns dedos de conversa. Aqui encontramos a casa onde terá nascido o navegador Diogo Cão, embora Évora e Monção também reclamem essa causa. Outrora conhecida como a "Corte de Trás-os­ Montes", devido ao grande número de casas abraso­ nadas que tinha, Vila Real ganhou nova vida nos úl­timos anos com a criação da universidade, do Teatro e do Conservatório de Música. Na saída, damos connosco a pensar se am­ da será vivo aquele lobo que resistiu a cinco tiros e acabou por comer a meta­ de da ovelha que faltava. Aconteceu na extinta fre­guesia de Vilarinho de Sa­ mardã, que o Nobel da Literatura visitou.

Queremos atravessar o célebre Túnel do Marão, na serra aclamada pelo escritor. Qual seria a rea­ção de Saramago ao ver a grandiosa obra? O destino é outro, Peso da Régua, e pelo caminho comprova­mos as suas palavras: "a arte do socalco atinge a suma perfeição". Já na ci­dade, as casas envolvem as sublimes construções humanas e descem até ao rio, que de curva em con­tra curva vai mostrando toda a beleza do Douro,assim haja cruzeiros. A viagem pela mais antiga região demarcada do mundo termina em Mesão Frio, cu­jas paisagens, só por si, valem a visi­ta, verdadeiras atrações turísticas que podem ser contempladas nos Miradouros do Monte de São Silves­tre, do Lugar do Imaginário e do Lu­gar de Donsumil.