Abertura da exposição "O Tempo das Árvores" de Paulo Neves
Já pode visitar a exposição Paulo Neves: O Tempo das Árvores, no Parque de Serralves - Quinta.
O tempo das árvores não se finda no seu primeiro fim. Paulo Neves esculpe-lhes uma vida mais,
ressuscita-as, pelas suas artes, mostrando-nos como revivem as suas raízes e os seus troncos, dando-lhes escadas para o céu.
Esta exposição, enquadrada no âmbito da celebração dos 100 anos do Parque, homenageia as árvores enquanto suas principais protagonistas.
A exposição é organizada pela Fundação de Serralves com a curadoria de Manuela Hobler Kaempf.
O tempo das árvores
Desde o início da sua carreira, Paulo Neves desenvolve uma linguagem pessoal e inconfundível e percorre um caminho enraizado na tradição antiga da escultura. A sua obra nasce de uma espiritualidade profunda, de respeito e amor pela natureza e da procura de pureza e harmonia.
Os primeiros trabalhos nasceram de pedaços de lenha e a madeira manteve-se até hoje o material de eleição para a criação da sua obra. Na infinita riqueza que a natureza cria, e na intimidade dos seus valores puros, Paulo Neves encontra inspiração e um prazer enorme em descobrir a memória única de cada árvore; as marcas do tempo, textura, cor e cheiro e de a transformar em objectos autónomos.
Quando me encontrei com ele no seu atelier para falarmos sobre esta exposição, fiquei completamente fascinada pelos troncos majestosos de castanheiros que lá se encontravam, deitados no chão. Eram “umas senhoras árvores”, que cresceram durante centenas de anos e ofereceram sombra e alimentação a humanos, animais, micróbios e fungos com abundância. Enfrentaram calor e frio, tempestades e pragas e ainda assim conseguiram viver o seu ciclo natural. Infelizmente já só podemos admirar árvores desta grandeza, cheias de saúde, em troncos colossais e extensas copas que se encontram em alguns parques ou florestas protegidas. Mas estes castanheiros, mesmo escuros, toscos, cheio de buracos e sem vida, ainda mostravam muita da sua beleza. Paulo Neves salvou-os do lume e conseguiu incutir-lhes uma nova vida que agora podemos admirar nesta exposição que comemora os 100 anos do Parque do Serralves.
Como homenagem às incontáveis florestas queimadas, Paulo Neves carbonizou a superfície exterior da madeira. Hectares e hectares cheios de vida morrem algures no mundo todos os dias, por falta de cuidado ou por ambição. Milhares de vidas perdem o seu habitat natural ou enfrentam um fim horrível e desnecessário e ficam perdidas para sempre. O impacto não se revela apenas a curto prazo e localmente, mas altera todo o ecossistema e pode ser uma ameaça para um futuro saudável.
No centro da exposição, estão duas raízes colossais, viradas ao contrário, como cérebros gigantes queimados e com os seus nervos cortados, incapazes de comunicar. Em contraponto, vê-se uma floresta de escadas, como filigranas tortas que crescem para o céu infinito, como braços alongados, erguidos em alegria e esperança.
Noutras esculturas, encontramos emblemáticas líneas rítmicas esculpidas pelo artista, que percorrem a superfície ao longo dos galhos e criam assim uma espécie de nova casca suave, quase aveludada. O interior mantém-se cru e áspero em contraste com o exterior. As formas lembram um abraço, suave e elegante, num jogo de luz e sombra.
Numa outra parte da exposição, podem ver-se esculturas que apresentam um corte rugido entre a superfície polida da parte sólida interior dos troncos com a casca totalmente escurecida. Esta intervenção sublinha o interior luminoso da madeira, rico em inconfundíveis traços desenhados pelo tempo.
O trabalho com esta madeira foi como andar numa corda bamba, entre a intervenção do artista e o respeito para a característica de cada pedaço dos castanheiros centenários. Com muito cuidado e sensibilidade, Paulo Neves descobriu a “paisagem” rica no interior e exterior destas árvores e transformou-as em esculturas inconfundíveis, harmoniosas e belas.