Inauguração da exposição "Grupo Puzzle (1976-1981)"

Inauguração da exposição "Grupo Puzzle (1976-1981)"
Fotografia: Ursula Zangger

A inauguração da exposição "Grupo Puzzle (1976-1981)" terá lugar no dia 17 de setembro (sábado), pelas 17h30, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais.

No rescaldo do Processo Revolucionário em Curso (PREC), o grupo Puzzle foi fundado por Dario Alves, Armando Azevedo, Carlos Carreiro, João Dixo, Albuquerque Mendes, Graça Morais, Fernando Pinto Coelho, Pedro Rocha e Jaime Silva, em Fevereiro de 1976, juntando-se Gerardo Burmester em Agosto de 1977. O grupo passou por sucessivas composições até se dissolver no início dos anos 80. Para a experiência político-cultural deste coletivo foi fundamental a contribuição do crítico de arte Egídio Álvaro e do galerista Jaime Isidoro. Ativo simultaneamente na pintura e na performance, o grupo participou, entre 1976 e 1981, em três dezenas de exposições, integralmente reunidas, pela primeira vez, nesta retrospetiva.

Formado como reflexo das diferentes relações entre as “convenções coletivas e as consciências individuais” que a instabilidade política do seu tempo transformava, o nome do grupo foi simultaneamente metáfora formal e estratégia performativa. Literal e experimental, desenhava-se nas redefinições dos limites da consciência política e das formas de expressão artística, atuando no equilíbrio instável entre o interesse individual e o coletivo. Dissolveu-se no início dos anos 80, quando o esgotamento do debate político no espaço público e a reanimação do mercado privado da arte voltaram a separar a arte e a política. O Puzzle surgiu como crítica a uma utopia massificadora da coletivização, evidenciando o direito à consciência individual em liberdade; mas paradoxalmente, a sua dissolução foi um sintoma da perda de sentido do trabalho coletivo e da função social e política da arte. 

O grupo Puzzle nunca produziu pintura de cavalete, no sentido clássico de uma prática artística organizada através da composição, do equilíbrio entre as partes e o todo, ou mesmo de um trabalho singularizado que o artista dá por concluído no atelier. A sua pintura é eminentemente performativa: subentende a articulação entre projeto individual e coletivo, forma e função, pintura e performance, documento e obra de arte, momento histórico e arquivo. É um trabalho que remete para a possibilidade de participação, improvisação e mutação, entendida como compromisso instável entre cada indivíduo e o coletivo, entre o grupo e as diversas comunidades que o identificam. A obra do Puzzle não se afirma técnica, temática ou conceptualmente fechada; é plural e dependente da própria instabilidade do grupo, dificilmente sobrevivendo descontextualizada da experiência política e social da revolução democrática vivida em Portugal em abril de 1974. Não sendo site specific, a obra do Puzzle foi elaborada para responder a situações e formas de expor específicas, procurando refletir o contexto da sua experiência. Embora algumas pinturas tenham viajado, no final dos anos setenta, em representações de “Arte Portuguesa”, todos os trabalhos do grupo se podem ler através do calendário de exposições para o qual foram realizados. Esta cronologia é uma fiel representação de um contexto cultural em plena transformação, simultaneamente local e internacional.

A desmontagem de uma relação contemplativa com a arte levou os artistas a procurar diferentes soluções para desenquadrar uma obra que, paradoxalmente, continuava a ser pintura. A vontade partilhada de desmaterialização, e o foco no processo participativo, conduziu o grupo à construção de obras compostas por recolhas in situ e por vezes à destruição performática das mesmas. A presente exposição apresenta um somatório de pinturas e de objetos que foi possível identificar e recuperar, dando particular relevância aos seus contextos de apresentação e à performance do grupo. Não sendo possível reviver momentos efémeros e irrepetíveis, recorremos ao visionamento de materiais de arquivo, associados a novas formas de expressão como a performance, que nos permitem mapear a constituição de alternativas culturais e a expansão da noção de arte.

Entre a Bandeira Nacional (1976), símbolo por excelência da “convenção coletiva” e os vestígios dos desentendimentos que marcaram as diferentes formações do grupo (no limite representações das “consciências individuais”); entre a mala do ARC (Museu de Arte Moderna de Paris, 1980) em que recolheram vestígios da sua participação além fronteiras e os relatórios enviados pelo grupo para o Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, onde se incluem pedaços de pinturas performativamente reduzidas a arquivo institucional, e relatórios escritos na “primeira pessoa do plural”, esta exposição retrata a instabilidade política da democracia e a necessidade de reflexão e experiência instaurada pela mudança, apresentando-se como uma oportunidade para um estudo visual e cultural dos diversos registos que compõem a trajetória do grupo Puzzle.

A recolha de arquivos fotográficos e fílmicos, e a compilação de recortes de jornal, catálogos, cartazes, correspondência, sons e outros materiais documentais, permite revisitar o trabalho performativo do grupo Puzzle, e também expor a proliferação e o desenvolvimento dos meios de documentação e debate cultural surgidos com a democracia. Além de devolverem o contexto em que estas obras surgiram, estes materiais visibilizam um duplo movimento: a grande curiosidade e atenção de artistas internacionais às mudanças do período pós-revolucionário, e a internacionalização de artistas portugueses através da participação em festivais. Produzidos no novo contexto de liberdade, estes documentos retratam igualmente o impacto social da aproximação da arte às populações mais periféricas. A sua reinscrição na história da arte em Portugal depende, tanto deste enquadramento político, social e cultural alargado, como de uma nova perspetiva historiográfica, centrada numa análise visual e material do conjunto da obra.

A materialidade da pintura coletiva do Grupo Puzzle assenta no trabalho individual dos seus artistas, mas a sua singularidade como obra depende da participação coletiva. É a essência da sua estratégia performativa que nos remete para a complexidade de um espaço partilhado que só pode ser entendido em constante permuta. Só a justaposição das diversas obras e contextos lhes restitui a abertura e novidade discursiva com que merecem ser olhadas.