Os perigos de uma história que se repete no cinema-alerta de Sierra Pettengill
Se há marca que se destaca no trabalho da arquivista e cineasta norte-americana Sierra Pettengill é a sua capacidade de colocar o passado a dialogar com o presente de uma forma que possibilita não só a documentação histórica, mas também o mapeamento da atualidade e dos perigos da “história que se repete”. A sua breve, mas incontornável filmografia, compõe-se com uma trama de imagens raras, onde a autora investiga temas como o funcionamento da violência de estado nos EUA ou os mecanismos absurdos, descarados e ousados da política “feita para a televisão” de Ronald Reagan. Cinema essencial e urgente para descobrir no programa retrospectivo integral que o Porto/Post/Doc lhe dedica este ano.
Quando, no início de 2022, a nova longa-metragem de Sierra Pettengill (Riotsville, USA) estreou no Festival de Sundance, na seção competitiva de documentários norte-americana, os críticos saudaram-na como um objeto apaixonado, mas de olhar atento sobre o processo de militarização das forças policiais norte-americanas. Imersivo e esclarecedor, o filme questiona como as táticas violentas do passado levaram ao presente cada vez mais armado que hoje testemunhamos.
Riotsville, USA é apenas a expressão mais recente do trabalho sobre os arquivos que Pettengill vem desenvolvendo, onde explora as assombrações do presente da América pelo seu passado. De facto, Pettengill é uma conceituada arquivista que trabalhou com nomes como Jim Jarmusch, e foi no decorrer da sua profissão que surgiu a sua anterior longa-metragem, The Reagan Show (correalizada com Pacho Velez), estreada no Festival de Locarno, em 2017. Tendo como pano de fundo a Guerra Fria, e repleto de humor e ironia política, o filme centra-se no ator que, enquanto presidente dos EUA, reinventou as regras dos media. A revista Cinevue chamou-lhe "um retrato sóbrio de um homem cuja principal preocupação sempre foi sua própria imagem."
As curtas-metragens de Pettengill, à semelhança das suas longas, tentam examinar a forma como as narrativas americanas são contadas – e muitas vezes distorcidas – ao longo do tempo. Por meio de imagens de arquivo meticulosamente montadas, The Rifleman revela as raízes da National Rifle Association, das brigadas de fronteira [Border Patrol] e da influência inflexível do lobby das armas na política norte-americana. Na curta de 2018 Graven Image, Pettengill usa mais de 100 anos de imagens de arquivo para refletir sobre Stone Mountain, o maior monumento nacional dedicado à confederação americana. Em The Business Of Thought: A Recorded History Of Artists Space, organiza um percurso pela história oral do Artists Space, organização nova-iorquina, fundada em 1972, com o intuito de auxiliar artistas emergentes, à margem do sistema dos museus e das galerias comerciais.
O Porto/Post/Doc está de regresso à cidade do Porto entre os dias 16 e 26 de novembro. Anunciados estavam já o programa de foco Nós, a Revolução - Cinema e Política nas obras de Márta Mészáros e Miklós Jancsó e o programa Neurodiversidade, que incluirá um ciclo de filmes e pautará o alinhamento das conversas do Fórum do Real.