Dois irmãos, uma tragédia

Dois irmãos, uma tragédia
Fotografia: Tiago Canoso

“Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar”. Maria Eduarda imediatamente despertou o interesse de Carlos, depois a paixão, até se envolverem numa história de amor que acabou em tragédia.

O romance Os Maias decorre na cidade de Lisboa, que representava todo o país, ainda mais nessa época, segunda metade do século XIX. “Lisboa é Portugal (…) Fora de Lisboa não há nada”, dizia Ega, fiel companheiro do protagonista. Foi na capital e seus arredores que tudo aconteceu. A vila de Sintra, romântica por natureza, era o ponto de encontro dos casais apaixonados, “sobretudo daqueles que, segundo a mesma sociedade, não o deveriam ser. Falamos, claro, dos amores proibidos”, nota Eça de Queiroz.

Carlos, que morava na rua das Janelas Verdes, ia muitas vezes até ao Rossio a pé, a cavalo ou de carruagem, e com Ega passeava-se pela baixa. Algumas das lojas citadas no livro ainda existem, como a Casa Havaneza, no Chiado, junto à estátua de Fernando Pessoa.

O protagonista d’Os Maias teve uma educação liberal, à inglesa. Era um “cidadão do mundo”, ao contrário do pai, educado segundo os padrões católicos, longe da natureza e do mundo prático, o que explica a incapacidade de encarar os infortúnios da vida – quando a mulher se apaixonou por outro e fugiu de casa, levando consigo a irmã de Carlos, Pedro da Maia entregou o pequeno aos cuidados do avô, Afonso, e suicidou-se.

A terceira geração da família estaria, assim, mais preparada para o sucesso e, se quisermos, para a felicidade. Mas o peso da hereditariedade e do meio envolvente acabou por levar a melhor. Carlos terá herdado do pai o carácter fraco e da mãe a tendência para o desequilíbrio amoroso. Por outro lado, a alta burguesia lisboeta empurrou-o para o fracasso.

Mesmo quando descobriu que Maria Eduarda era sua irmã, o protagonista continuou a desejá-la e manteve-se seu amante. A história d’Os Maias segue as regras da tragédia clássica – peripécia, reconhecimento e catástrofe: o avô Afonso morreu ao saber do romance dos netos, que se separam definitivamente, “vencidos da vida”, como o próprio Eça. A casa de família, o Ramalhete, voltou à ruína, e essa Lisboa – ou, se quisermos, esse país – continuou exactamente igual, uma “choldra ignóbil”, em dissolução, incapaz de se regenerar.