Exposição integrada na programação do Dia Internacional dos Museus do Município de Viseu

Exposição integrada na programação do Dia Internacional dos Museus do Município de Viseu
Fotografia: D.R.

Desde o final do século XIX até à actualidade, milhões de portugueses emigraram, procurando alternativas à pobreza, a uma economia de subsistência e/ou à falta de oportunidades de trabalho. Como tal, a emigração é simultaneamente parte da memória e do presente das regiões rurais portuguesas. Em cada aldeia coexistem múltiplas camadas temáticas que se relacionam com as distintas vagas de emigração, aquelas mais longínquas, para o Brasil, Venezuela, Estados Unidos da América, etc. ou aquelas mais próximas, para países europeus como a França, Alemanha, Suíça ou Luxemburgo. De igual forma, muitas zonas rurais acolhem hoje pessoas originárias de outras paragens dos vários continentes, num processo em sentido contrário ao que encetaram tantos portugueses.

O voo migratório pensado em termos histórico-sociais identificou origens, destinos, contextos, motivações e quantificou os fluxos dos que emigraram e dos que regressaram ou não. Não obstante, existe um leque literalmente infinito de temas que é possível aprofundar quando se contacta directamente com antigos e actuais emigrantes e com os seus descendentes, como a arquitectura, a economia, a língua, os sentidos de pertença e de inserção cultural dos que emigraram e dos seus descendentes, as percepções sobre a evolução dos lugares de destino e origem, o tipo de vinculação com o mundo rural, as narrações e os registos documentais familiares, a simbologia e semiótica afectiva, a gastronomia e tantos outros.

A Binaural Nodar, em colaboração com o Museu do Linho de Várzea de Calde, apresenta a exposição fotográfica e multimédia “Ecos da Ida e do Retorno” que foi concebida na sequência de dois ciclos de residências artísticas que decorreram em Setembro e Outubro de 2022, integrando recolhas etnográficas e quatro obras artísticas que pensam e expressam aspectos relacionados com processos migratórios, históricos ou actuais, existentes na freguesia de Calde e, mais genericamente, na região de Viseu.

 “Vaza e o tempo não guarda” André Araújo

O jovem músico e artista multidisciplinar André Araújo trabalhou a temática da emigração a partir do conflito entre o rural e o urbano, questionando de que forma a memória, enquanto pré-requisito do ser, se relaciona com o conflito do sonho e do percurso real das vivências dos trabalhadores e de como essa memória funciona como validador da realidade, ao incorporar várias dialécticas, entre o oficial e o oficioso, o escrito e o falado, o registado e o transmitido. A obra produzida pelo artista, intitulada “Vaza e o tempo não guarda”, assume a condição de ensaio poético audiovisual, tendo sido construído a partir de recolhas efectuadas na aldeia de Várzea de Calde e a partir de documentos audiovisuais de arquivos públicos, sobre emigração portuguesa e sobre trabalhos fabris.

André Araújo nasceu no Porto em 1999, é músico e artista visual. Estudou no Conservatório de Música do Porto e terminou a sua licenciatura no Conservatório Real de Bruxelas, estando actualmente a terminar o Mestrado em Criação Artística Contemporânea da Universidade de Aveiro. O caminho que percorreu do jazz e da música improvisada até à música electrónica, levou-o a explorar mais recentemente as relações entre a arte visual e sonora.

 

“Sentidos da emigração na freguesia de Calde” Ana Rodríguez, Liliana Silva e Luís Costa

A equipa da Binaural Nodar efectuou um conjunto de entrevistas sonoras e de registos fotográficos com antigos e actuais emigrantes originários da freguesia de Calde, com particular atenção a aspectos relacionados com a “sensorialidade migrante”, ou seja, como a condição de pertença partilhada (entre o lugar de origem e de migração) se reflecte nos sentidos (a paisagem visual e sonora, os cheiros, a música, a gastronomia, os objectos com valor simbólico, etc.). O resultado das entrevistas gerou em simultâneo um arquivo digital e a peça audiovisual “Sentidos da emigração na freguesia de Calde”, a qual se apresenta nesta exposição.

Ana Rodríguez (n. 1975) nasceu em Montevidéu, vive e pesquisa em contextos rurais desde 2001, ano em que se estabeleceu em Tacuarembó, no norte do Uruguai. Antropóloga formada pela Universidade da República do Uruguai. Cursou o mestrado em Teoria e Prática do Documentário Criativo na Universidade Autónoma de Barcelona. Formou parte da equipa docente do Núcleo de Estudos Rurais (Sede de Tacuarembó da Universidade da República do Uruguai) e entre 2016 e 2018. Criou materiais didácticos audiovisuais sobre género e ruralidade para Faculdade de Agronomia do Uruguai (2016), um CD de contos de tradição oral com paisagens sonoras (Los cuentos de Mamá Carolina, 2013), criou o Mapa Sonoro do Uruguai (2016), sendo, desde 2013, artista e investigadora junto da Binaural Nodar.

Liliana Silva (n.1991) é natural de Santo António, Funchal. Terminou em 2014 a sua licenciatura em Artes Plásticas, Ramo Multimédia na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Nesse mesmo ano ingressou no Mestrado em Comunicação Multimédia, Ramo Multimédia Interactivo pela Universidade de Aveiro, que viria a concluir em 2016. Desde Agosto de 2017 que desempenha na Binaural Nodar as funções de responsável pelas áreas de comunicação e multimédia, tendo desenvolvido intensa actividade na área de desenho gráfico, gráfica editorial, gravação e edição vídeo, concepção e montagem de exposições, etc.

Luís Costa (n. 1968). Curador de práticas artísticas contemporâneas, investigador sonoro, autor, educador e animador cultural em contexto rural. Presidente da direcção da Binaural Nodar. Coordenador do Lafões Cult Lab, um, conceito de pesquisa artística multimédia no território de Viseu Dão Lafões o qual acolheu já mais de 150 artistas sonoros/media e investigadores sociais e ambientais oriundos de mais de 20 países. Coordenador do Arquivo Digital Binaural Nodar, um projecto de pesquisa, catalogação e mapeamento sonoro e audiovisual da memória coletiva de territórios rurais da região de Viseu, integrado na rede europeia Tramontana de arquivos de memória de zonas de montanha.

“Por bem a nossa casa vem" Instalação-ensaio vídeo multilíngue. 10' (em contínuo)) Parte do projecto “Islands of Time” Niccolò Masini

“Por bem a nossa casa vem” é uma composição narrativa multilíngue que elabora a prática de evidenciar desaparecimentos, uma questão cultural mediada pela natureza que entrelaça linguagens e significados de partida e retorno. A expressão “Por bem a nossa casa vem” significa "você é bem-vindo em nossa casa se vier com boas intenções". As áreas rurais, as ruínas e os espaços liminares podem sugerir oportunidades para investigações espaciais e para linguagens analíticas do discurso no território de referência. Uma imagem fixa que conservamos de um território transforma-se em simulacro, constitui um símbolo do comportamento e da cultura que o retracta. Restabelecer o discurso de uma linguagem multinarrativa atenta e consciente do simbolismo implícito na sua formação conduz a refazer o percurso realizado e a reencontrar o ponto, o lugar do extravio. Tanto quanto a memória, a linguagem desempenha um papel crucial na formação da trama de múltiplas camadas que constrange a identidade territorial; para além do tempo, do espaço e das heranças.

Niccolò Masini (n. 1989) é um artista e investigador multidisciplinar italiano, cujos projectos recentes giram em torno da problematização dos processos migratórios, de territorialização e de desterritorialização e da sua representação em arquivos formais e informais. O artista é licenciado em Animação e Ilustração pelo Instituto Europeu de Design – Milão (2011), licenciado em Artes Audiovisuais pela Gerrit Rietveld Academy of Amsterdam (2015) e detém um mestrado em praxis e pesquisa artística pelo DAI / Dutch Art Institut de Arnhem (2021). O trabalho de Niccolò Masini desenvolve-se nos domínios da narrativa, de uma certa forma de trabalho “artesanal”, da poesia e da antropologia.

 

“Mares de morros” Rafael Bresciani

Mares de Morros é resultado da releitura da obra audiovisual de Rafael Bresciani “Caminho pro Mar”. Este projecto, co-produzido pela Binaural Nodar no contexto da residência artística "Ecos da Ida e do Retorno", traz uma nova oportunidade de reviver a primeira versão de “Caminho pro Mar”, onde Bresciani se inspirou na história de migração de sua família, que migrou da Itália para o Brasil, para então voltar à origem depois de cinco gerações.

A primeira versão deste trabalho tem a pequena cidade de Pietrasanta, na costa da Toscana, como ponto de partida e chegada, e o mar como meio de expectativas, medos, memória e pertencimento. Mas quando na região de Viseu, localizada no coração de Portugal, o mar estava longe demais para ser visto. Então foi através das histórias dos migrantes, das suas famílias, dos que ficaram, dos que partiram e dos que voltaram, que Bresciani conseguiu encontrar o seu mar. Todas as imagens e sons utilizados para compor a peça audiovisual foram gravados in loco durante a residência. A música foi feita manipulando esses sons através de live coding e signal feedback.

Rafael Bresciani é um artista sonoro e media que acumulou experiência em formatos que vão desde performances ao vivo, obras artísticas em áudio/vídeo/media, instalações multi e trans media e sistemas aleatórios e generativos que controlam e criam manifestações artísticas. Todas essas práticas visam trabalhar em profundidade a interacção entre o som e outros elementos da arte performática para sugerir uma visão poética sobre a relação entre percepção e realidade.