Antes quebrar que torcer
A vila de Marvão é a mais alta do Alentejo. Fica no cimo de uma montanha com 843 metros, em tempos conhecida por Herminius Menor, numa referência aos Montes Hermínios da Serra da Estrela, onde habitavam as tribos lusitanas. Lá do alto avistamos toda a fronteira e, em dias de céu limpo, todo o território que vai da Serra da Estrela ao Alentejo, bem como a Estremadura espanhola. Marvão foi, ao longo de séculos, uma fortaleza única e decisiva para os povos que a ocuparam.
Os romanos construíram uma cidade no sopé do monte. Depois vieram os mouros, e é a um deles que a vila deve o seu nome. Ibn Marwan, considerado o fundador de Badajoz, refugiou-se aqui quando se sentiu ameaçado naquela capital, em finais do século IX, reedificando as fortificações, pois o povoado romano já estava parcialmente soterrado. Não se sabe ao certo quando Marvão foi reconquistado, mas a vila recebeu foral em 1226, sendo uma das primeiras no Alentejo. O castelo terá começado a ser construído em finais do século XIII ou inícios do seguinte, por ordem de D. Dinis.
Nunca foi difícil atrair gente para este concelho, que combina na perfeição zonas serranas, montados e estreitos vales férteis que o distinguem das secas planuras do Alentejo. A actividade agrícola vive em harmonia com habitats naturais ricos em flora e fauna, da qual se destaca a grande águia de bonelli. Os homens do Paleolítico terão sido os primeiros a fixar-se aqui, especialmente a norte, onde o rio Sever se alarga, abrindo caminho a tantos outros povos.
O castelo tem dois níveis diferentes. No primeiro, mais pequeno, onde está o castelo, há uma entrada em cotovelo protegida directamente pela poderosa e quadrangular torre de menagem, bem como uma cisterna e uma porta de traição, que permitia a fuga em cercos mais longos. O recinto inferior é bem mais vasto e possui um amplo espaço para aquartelamento e movimentação de tropas. Detemo-nos no complexo sistema de entrada, com tripla porta protegida por outros tantos adarves e por várias torres.
Marvão foi posta à prova na crise de 1383-85 e na Guerra da Restauração, no século XVIII, mas nunca capitulou, defendendo sempre o Alto Alentejo. Nessa época reforçou-se a fortaleza, com baluartes estrelados a proteger as principais portas. Quando se rendeu, foi sem luta – aconteceu após a queda de Castelo de Vide, em 1704, durante a guerra da Sucessão de Espanha. Ainda assim, o governador francês dos paisanos mandou aprisionar a população, enforcar alguns populares e enviar outros para Castela. A praça acabaria reconquistada pelo exército português, comandado pelo Conde de São João. Já na época de oitocentos, os liberais tomaram a praça aos miguelistas, que haveriam de a cercar durante cerca de três meses, sem sucesso, o que valeu à vila o título de “baluarte da liberdade do Alentejo”.