Cortejo aberto, até ver

Cortejo aberto, até ver
Fotografias: Lino Ramos e Tiago Canoso

Ainda hoje é assim. O dia 23 abre com uma salva de morteiros e à noite realiza-se a tradicional Queima do Pinheiro, fogueira acesa noite fora, acompanhada de música e juras de amor. As gentes de Vildemoinhos celebram o deus Sol, que os antepassados já festejavam em dias de solstício, e veneram o santo, cumprindo promessas. O cortejo sai para a rua no dia seguinte, o deste ano liderado por uma charanga da GNR com 30 animais, atrás da qual hão de vir os carros alegóricos, e entre eles as bandas filarmónicas e alguns gigantones.

“Isto começa em outubro, novembro. A construção dos carros, propriamente dita, inicia-se em fevereiro”, explica o presidente das Cavalhadas de Vildemoinhos – Associação de Atividades Tradicionais, Alfredo Santos. Os veículos alegóricos são criados por voluntários, gente que no fim do trabalho vai ter à sede da associação para fazer de tudo um pouco: pregam, serram, enfeitam, têm ideias de última hora que podem fazer a diferença aos olhos do júri. Metade do carro tem que obedecer ao tema do cortejo – o de 2016 é “Anos de História – Séculos de Sabedoria” –, a outra pertence à criatividade, que com humor e arte trata assuntos da terra e do país.

No canto do pavilhão está o vencedor do ano passado, um belo comboio de madeira e ferro, a fazer lembrar o tempo em que a locomotiva chegava à cidade de Viseu. O veículo esteve para ser vendido para uma exposição, mas, entre avanços e recuos, o negócio ainda não se concretizou. É uma exceção, geralmente os carros são destruídos. “A nossa vontade seria guardar pelo menos os dois primeiros, mas não temos espaço para isso”, lamenta Alfredo Santos.

O responsável adianta que fazer as Cavalhadas custa à volta de 70 mil euros, valor que não é fácil de conseguir. Diz que a restauração é quem mais ganha – “terão um crescimento na ordem dos 50%” – e a que menos contribui para a festa, dando apenas “uma esmola de dois euros”. Garante que “se o desfile fosse fechado e cobrássemos por exemplo dois euros às pessoas, já poderíamos pagar as Cavalhadas”, embora não defenda isso, pelo menos para já. Continua sem perceber porque tem de pagar 600 euros à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) cada vez que organiza o evento. E estima que no ano passado o mesmo tenha atraído mais de 100 mil pessoas.

As Cavalhadas são um dos acontecimentos populares mais antigos do país, mas não daqueles que os portugueses mais se lembrem quando chega o mês de junho. “O que nos falta é, acima de tudo, divulgação”, entende Alfredo Santos, que diz que as coisas estão a mudar, na origem. “As pessoas de Vildemoinhos já começaram a perceber que este não é um evento só de cá e que a ideia é atrair gente de todo o país, fazer deste um acontecimento nacional”. O misto de sagrado e profano não incomoda os habitantes, que por certo voltariam a opor-se a D. José de Cruz Moreira Pinto, o “grande bispo” que no sé- culo XX quis acabar com a festa, disposto como estava a expurgar os resíduos de paganismo antigo nas celebrações cristãs.