Dos Açores para o mundo
Ilha do Pico, 17 de maio. Hora da missa. Centenas de pessoas, da terra e de fora, recebem uma tigela de sopa. O bispo de Angra do Heroísmo, D. João Lavrador, abençoa mais de 5 mil rosquilhas, doce obrigatório nas Festas do Espírito Santo. O Império da Madalena é provavelmente o maior dos Açores, atraindo a cada ano milhares de devotos, mas apenas um dos 45 que, durante mais de uma semana, foram celebrados nas 19 paróquias da “ilha montanha”. As 45 irmandades trouxeram para a rua o Divino Espírito Santo, realizaram coroações, procissões e convívios, cumpriram a partilha, palavra de ordem por estes dias. Ao todo, foram servi- das mais de 20 mil refeições, cerca de 20 mil pães, massa sovada e arroz doce aos que passaram pela freguesia.
“Estas são as festas do povo que se exprimem na alegria do convívio, na interajuda comunitária, na vivência da irmandade e na abundância dos bens materiais que, partilhados, chegam para todos”, explicou o padre Marco Martinho no programa de rádio Igreja Açores, destacando uma “igualdade em que não há distinção de classes nem de pessoas, pois todos são irmãos e aquele que se torna imperador é-o para servir os demais”.
O culto do Divino Espírito Santo está em todas as ilhas açorianas, mas é no Grupo Central, especialmente no Pico, em Faial e São Jorge, que os fiéis o vivem de forma mais intensa, daí que o presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, tenha concedido, a 17 de maio, tolerância de ponto aos funcionários públicos que trabalham nessas ilhas. O Dia dos Açores, na véspera, eterniza o culto, e o domingo de Pentecostes, um dia antes, é o seu ponto alto, uma verdadeira maratona de festas no arquipélago, com impérios e bodos em todas as ilhas.
A tradição mistura o sagrado e o profano, e obedece a um ritual secular que começa no último domingo de festejos, depois da arrematação das “promessas”. À porta do Império sorteiam-se os pelouros entre os irmãos, para saber a quem caberá organizar as festas do Espírito Santo, entre a Páscoa e o domingo de Pentecostes ou, nalguns casos, o domingo da Trindade. Aquele a quem sair o número um fica responsável pelos festejos na primeira semana e torna-se o guardião da co- roa do Espírito Santo durante todo o ano.
Depois da festa, esse ou alguém da família que esteja presente vai buscar a coroa ao Império e convida os parentes e amigos a acompanhá-lo no cortejo da “mudança” até sua casa. Ali é construído um altar com um trono na dependência mais ampla, o “meio-da-casa” ou o quarto de entrada, onde se coloca a coroa, assente na salva e com o ceptro atravessado. Ao lado dispõe-se a bandeira.
A sexta-feira é um dos dias mais pitorescos. É quando os bovinos são enfeitados para a “procissão do vitelo”. Depois, sacrificam-se os animais necessários para o bodo que o Imperador vai oferecer no domingo aos convidados, retalha-se a carne para a sopa, o cozido e a alcatra do jantar e para os “quintões de esmola” a distribuir pelos pobres da freguesia, que recebem também pão e vinho, benzidos pelo padre. No domingo de manhã realiza-se a primeira procissão. Jovens vestidas de branco transportam o Imperador Menino, a coroa, o ceptro e a salva até à igreja, onde decorre uma ritual eucaristia, após a qual decorre um novo cortejo, até à casa do Imperador, para a cerimónia da “descoroação”.
No banquete deste dia, todos são iguais, não importa a riqueza ou classe. A ementa do bodo ou “função” consiste em sopa do Espírito Santo, cozido (postas de carne de vaca, galinha, re- polho e outros), alcatra e pão armazenados nos Impérios ou nas despensas, massa sovada ou rosquilhas e vinho. De barriga cheia, o Imperador segue até ao Império ou à residência do Imperador da próxima semana, entregando-lhe as insígnias do culto do Paráclito. Em alguns locais os festejos continuam pelo verão e incluem as “festas joaninas”, podendo chegar a outubro, pouco antes do “Advento”, como acontece no Império de São Carlos.