Comida artesanal, com certeza

Comida artesanal, com certeza
Fotografia: D.R.

Você está na praia, descansado, estendido na toalha ou sentado na esplanada. Passa o senhor das bolas de Berlim, mas a preguiça ou a falta de ligeireza leva-o a perder a oportunidade de saborear o típico doce alemão. Desde o início do mês de Julho que isso deixou de ser um problema, graças a uma nova aplicação portuguesa que permite encomendar bolas de Berlim. Logo no primeiro dia, a app “Bolinhas” foi descarregada por centenas de utilizadores.

A tecnologia está cada vez mais presente na gastronomia e, neste caso, na comida artesanal vendida na rua. Há mais de 70 anos que a bola de Berlim entrou na “lista vip” da doçaria portuguesa, trazida por famílias judaicas em fuga da Alemanha nazi, tendo sofrido algumas alterações face à congénere alemã: perdeu o recheio à base de frutos vermelhos, substituí- do por aquilo em que há muito os portugueses são exímios, os doces à base de ovos.

A fórmula escolhida foi a do creme pasteleiro, uma mistura de água, leite, açúcar, farinha, gemas e claras de ovos, limão, baunilha e manteiga. O segredo, diz quem sabe, é a qualidade dos produtos e ter boas mãos para amassar, mas o creme de ovo também tem que estar no ponto.

A ideia de criar a “Bolinhas” surgiu quando Ignácio Correia e o irmão estavam na praia e lhes apeteceu comer uma bola de Berlim, mas não sabiam quando passaria o vendedor ou se passaria. O desejo inspirou o desenvolvimento da aplica-ção, que se expandiu de forma rápida, contando já com mais de dez vendedores nas praias do Algarve e mais de 500 utilizadores. O número poderá aumentar quando a versão iOS estiver pronta, pois actualmente a app está disponível apenas para dispositivos android.

Há muito que “o senhor das bolas de Berlim” conquistou um lugar inconfundível no imaginário de quem vai à praia – é um dos exemplos máximos da comida artesanal vendida na rua. O mesmo acontece com os gelados, ainda mais apetecíveis na época de maior calor.

Os veraneantes agradecem as caminhadas dos vendedores pelo areal, mas sempre há os que optam por percorrer as ruas em busca de uma gelataria para assim poderem refrescar-se num ambiente mais sossegado e acolhedor.

Neste campo, o mercado dos gelados artesanais merece especial destaque, uma vez que registou um grande crescimento nos últimos anos, em especial na cidade de Lisboa. Na capital portuguesa o “boom” coincidiu sensivelmente com o início da crise financeira. Em 2009 quase só existiam as gelatarias mais antigas, mas nesse mesmo ano surgiu a Artisani, cujo nome é, só, por si, bastante sugestivo.

Segundo um estudo da Market Line, o mercado de gelados em Portugal tem crescido a um ritmo de cerca de 3 por cento ao ano. No caso dos gelados artesanais, o ritmo é superior: 6 por cento. A Artisani é apenas um dos exemplos de sucesso: tem hoje sete lojas, todas em Lisboa e Cascais, e em breve vai abrir três franchises, na capital, em Alcochete e nos Açores.

A concorrência é uma realidade inegável: a cada ano surgem novas gelatarias, sem contar com as que já estão no mercado há décadas. É o caso da Santini, uma das principais empresas neste mercado, cujos gelados já foram considerados dos melhores do mundo. A Conchanata, outra gelataria histórica, tem como exlíbris a famosa taça com o mesmo nome, em forma de concha, com quatro bolas de gelado, três à escolha e uma de nata, todas cobertas com molho de morango.

O uso de produtos naturais é a grande diferença dos gelados artesanais para os industriais – é por isso que o prazo de validade dos primeiros é menor, geralmente três dias. Para durarem mais teriam que levar outros ingredientes, à partida menos saudáveis. A textura também é diferente, o que se deve à produção manual e à utilização de máquinas mais tradicionais, mas também à quantidade de ar, menor nos gelados artesanais. Tudo isso os torna, desde logo, mais cre- mosos e saborosos.

Doces são doces mas a comida artesanal é feita de muito mais. O conceito pode ser definido por alimentar-se bem, com sabor, aproveitando o prazer de cozinhar e de comer, algo que se tornou cada vez mais difícil no mundo actual. Como o próprio nome indica, remete para a actividade do artesão, alguém que faz um trabalho mais “manual”, de um jeito próprio e não tão sofisticado.

À partida não são precisos ingredientes tão caros ou difíceis de encontrar. A comida artesanal é aquela comida caseira, feita com carinho, como uma receita de família. É também por isso que lhe associam o conceito de comfort food: a comida que, além de deliciosa, traz recordações felizes de um lugar, um período de tempo ou mesmo de uma pessoa.

É isso que acontece a quem encomenda refeições aos “Artesãos da Comida”, uma marca criada por três jovens empreendedores. Os clientes podem comprar directamente na loja, em Algés, ou encomendar a comida. “Confeccionamos comida tradicional portuguesa de forma artesanal, em formato de refeições prontas, isto é, refeições que os nossos clientes apenas têm de colocar no forno ou microondas para estarem prontas a degustar”, revela a empresa.

Rolo de porco com alheira e espinafres, feijoada de lulas, abóbora assada com mel e alecrim ou caril de peixe e camarão são apenas alguns dos pratos disponíveis. “Importam-nos os procedimentos de confecção artesanais, a frescura e qualidade dos ingredientes, as tradições e costumes que quase se esquecem, as origens da cozinha tradicional”, garantem os “Artesãos da Comida”.

Como este, outros espaços dedicados à comida artesanal abriram nos últimos anos no país, em especial na cidade de Lisboa. São estabelecimentos que privilegiam uma ideia de naturalidade, tradição, mas com toques de cozinha sofisticada. O conceito de muitos passa por recuperar uma parte da história de cada cliente, em especial aqueles aos quais a vida da cidade fez esquecer os sabores da infância.

A par destes novos estabelecimentos há as tradicionais barraquinhas à beira da estrada, procuradas por muitos que não têm tempo, paciência ou por qualquer outro motivo não querem ir a um restaurante. Os “cachorros” são a referência neste tipo de estabelecimentos ambulantes, cuja imagem mudou nos últimos anos: deixaram de ser espaços gordurosos – ainda que continuem a existir – para se afirmarem como alternativas sérias, algumas das quais gourmet.