O canal tramou Margarida

O canal tramou Margarida
Fotografia: Vincent Bresmal

Margarida é o epicentro de uma teia de paixões frustradas, nenhuma capaz de satisfazer as suas opções existenciais, constantemente negadas por convenções da sociedade. Dessas relações amorosas sobressai a que tem com João Garcia, mas as famílias de ambos há muito estão afastadas por antigas questões e ressentimentos.

O palco da história é a sociedade açoriana das primeiras décadas do século XX, com as suas convenções, tiques e limitações das quais as personagens são incapazes de se libertar, para mais numa ilha, ou em ilhas, onde tudo é forçosamente limitado, pequeno, exagerado.

A ideia é reforçada pelo título do livro, Mau Tempo no Canal, símbolo da separação entre a clausura do arquipélago e a liberdade do exterior, mas também uma metáfora dessas forças anónimas que impedem as personagens de se revoltarem.

A intriga principal decorre na bela cidade da Horta, onde por essa altura vive o autor. O nome terá nascido das inúmeras hortas e jardins que por aqui existiam já no século XV, aquando do desembarque do flamengo Joss van Hurtere. Em 1755 a cidade serviu de escala ao navegador explorador inglês James Cook e em 1916 foi bombardeada pelos alemães, durante a primeira guerra mundial.

A narrativa começa precisamente no ano seguinte e, além da ilha do Faial, passa ainda pela Terceira, Pico e São Jorge, terminando em 1944. Margarida, esmagada por um “tempo triste”, pela “sombra maciça do canal”, fica condenada à prisão do casamento e a uma espécie de suicídio moral.

“Afinal continuava presa às suas relações de família como uma mosca tonta à teia de aranha irisada! A morte do tio Roberto, em vez de a libertar de tudo, tirando-lhe as últimas ilusões, não seria, pelo contrário, a sentença de morte do seu ser?, o seu dobrar à vontade alheia e às garras de um destino sem piedade?”.