Da igualdade aos milagres
O desenvolvimento do culto do Espírito Santo assenta nas ideias de Joaquim de Fiore, monge ermita italiano do século XII que reinterpretou as Sagradas Escrituras, apresentando uma perspetiva evolutiva da humanidade segundo a qual esta progride para a autonomia moral. A nova visão do homem terá chegado a Portugal através da rainha Santa Isabel, que promoveu a criação de uma capela e da Irmandade do Espírito Santo em Alenquer, em 1296. No entanto, há historiadores que atribuem à Ordem do Templo – futura Ordem de Cristo – a introdução do culto no país.
O pensamento de Fiore difundiu-se rapidamente pelo país, “possivelmente devido às calamidades e fome que abundavam”, refere a investigadora Maria Antonieta Mendes Costa, estendendo-se depois aos Açores, onde registou um forte desenvolvimento e cujos emigrantes o levaram para o Brasil e a América do Norte, onde ainda hoje mantém uma forte presença. O cronista Gaspar Frutuoso (1522-1590) refere que o primeiro ato religioso no arquipélago decorreu a bordo de uma embarcação ao largo de Santa Maria, nome que depois foi dado ao local onde os tripulantes desembarcaram. Na Ilha Terceira, o culto está documentado desde 1492 – a festa incluía a missa, a coroação e o bodo, e se algum irmão tomasse o império ou se oferecesse para Imperador sem possuir meios para assegurar a despesa, estes ser-lhe-iam proporcionados pela confraria.
A Ordem de Cristo foi determinante na propagação das ideias de Joaquin Fiore nos Açores, já que assumiu a jurisdição espiritual das ilhas e a educação das populações, que rapidamente acolheram o culto. O caráter popular do mesmo foi decisivo, dado que todos podiam ser coroados como imperadores, independente da riqueza ou condição social, o que criou uma “organização horizontal, com princípios de igualdade e de comparticipação de todos os confrades, ajudando os de menos posses”, sublinha Maria Antonieta Mendes Costa.
Outro fator importante terá sido a caridade junto das populações, “maioritariamente organizadas em povoados isolados e muito ligados ao ciclo da produção agrícola”. Em 1886, um jornal da Ilha Terceira noticiava que 34 impérios distribuíram 110 moios de trigo de pão, e só nesse ano as freguesias da cidade ofereceram 2.790 esmolas de pão e carne e gastaram 22 moios de trigo.
Por último, os muitos milagres atribuídos ao Espírito Santo, sobretudo aquando dos sismos e erupções, tão frequentes nas ilhas. Com a erupção de 24 de abril de 1672 na Horta, reacendeu-se a devoção pelo Divino Paráclito, levando a Câmara a criar o Império dos Nobres, em madeira e “ramada”. No ano seguinte, quando deflagrou uma grande epidemia na ilha de São Miguel, os nobres decidiram instituir um Império na Misericórdia de Ponta Delgada para invocar a proteção do Espírito Santo, e o flagelo terminou no primeiro sábado depois da Páscoa, após a saída da “folia”.
Muitos acreditam que o fogo do Espírito Santo pode mesmo apaziguar o fogo vulcânico, existindo a tradição de levar as coroas até junto das lavas, para que o Divino acalme as iras da natureza. As festas do Império de São Carlos têm origem num destes fenómenos. No século XVIII, quando no sítio conhecido por “Entre o Pico e a Serra” rebentou um vulcão cujos fumos densos desceram do cume da Serra de Santa Bárbara, a coroa do Império do Outeiro foi levada ao local e as lavas não avançaram mais para além do sítio onde depois foi construído o Império.