O outro país
Portugal é um dos países mais ricos em biodiversidade marinha, albergando algumas das espécies mais raras e ameaçadas do planeta. Um património de grande potencial que mal começou a ser explorado.
No princípio, era o mar. Lá terá começado a vida, há cerca de 3,5 mil milhões de anos. Falar do mar é falar de algo que nos transcende em todos os domínios, não apenas pela dimensão do mesmo, mas pela sua história, pela importância para o funcionamento do planeta Terra e pela enorme bio diversidade. Portugal, um dos países mais pequenos do mundo, é um dos maiores em área marinha, com uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de 1. 727 408 km2, cerca de 18 vezes a superfície terrestre. Nesse vasto território vivem peixes, animais e plantas únicos ou raros, alguns ameaça dos outros em risco de extinção, sem contar com os que já desapareceram. São espécies que fazem do país um dos mais ricos em biodiversidade marinha, detentor de um tesouro que deve ser protegido a todo o custo, de forma a mantê-lo a salvo e a aproveitar o seu potencial.
As ilhas dos Açores e da Madeira são dois dos melhores locais do mundo para observar o maior mamífero com dentes, o cachalote, imortalizado no clássico Moby Dick, de Herman Melville. Esta espécie de baleia pode medir 18 metros e pesar 45 toneladas, e consegue mergulhar a mais de 2 mil metros para capturar as presas, podendo suster a respiração durante mais de uma hora. É um dos animais mais ruidosos do planeta, produzindo sons com uma intensidade que excede os 230 decibéis, e, se for adulto, co me em média 2,5 a 4% do seu peso, o que pode equivaler a mais de uma tonelada por dia. Entre 1949 e 1967, a actividade baleeira matou mais de metade dos cachalotes que viviam nas águas dos dois arquipélagos. A moratória que entrou em vigor em 1985, proibindo a captura de todas as espécies de baleias, foi decisiva para a salvaguarda deste mamífero, que hoje se encontra em lenta, mas segura recuperação - estima-se que no mundo existam centenas de milhares de cachalotes.
O mar em redor dos Açores é um dos mais ricos em vida marítima do Oceano Atlântico. Há mais de 30 espécies de tubarão, algumas de golfinhos, muito peixe-espada, atum, bonito, enguia ou chicharro, e é frequente observar o peixe-voador "voando" à superfície da água na tentativa de escapar aos predadores. Abaixo dessa superfície encontram-se tartarugas-caretas, alforrecas, medusas, corais, estrelas e ouriços-do-mar. No mar açoriano vive também a baleia bico-de-garrafa, a baleia-piloto, a orca e a baleia de bico de Sowerby, e quem passar pelo arquipélago no início do Verão pode contemplar o maior animal do planeta, a baleia-azul, em migração para as águas mais frias do Norte. A 5 de Janeiro de 2009 foi vista uma baleia-franca boreal, o cetáceo mais ameaçado do Atlântico Norte. Foi o primeiro registo confirmado em 121 anos, desde a última captura nas ilhas, em 1888.
Se hoje o cachalote e a baleia vivem tranquilos nas águas dos Açores e da Madeira, outros animais há que ainda lutam pela sobrevivência nas águas da costa portuguesa. É o caso do lobo-marinho, um dos mamíferos mais ameaçados do planeta, a par do lince-ibérico. As estimativas mais optimistas apontam para menos de 500 indivíduos (tem a classificação de "criticamente em perigo", a terceira mais grave), cerca de 30 dos quais vivem no arquipélago da Madeira, sobretudo nas Ilhas Desertas, uma área alta mente protegida que só pode ser visitada em barcos licenciados para o efeito. Em 1419, quando os navegadores portugueses João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira chegaram a uma baía da costa sul da ilha, depararam-se com um animal até então desconhecido cujo som fazia lembrar o uivo de um lobo. Chamaram-lhe lobo-marinho e esse local ainda hoje é conhecido por Câmara de Lobos, que deriva de "Cama de Lobos". É a única foca a viver em Portugal e partilha as águas da Madeira com baleias, cachalotes, golfinhos, tartarugas bobas, anémonas e caranguejos, entre tantos outros seres do mar.