A festa dos moleiros

A festa dos moleiros
Fotografias: Lino Ramos e Tiago Canoso

Da porta espiamos o segredo. Há carros desmontados e outros quase prontos, pedaços de papel, plástico e madeira pelo chão, o barulho da rebarbadora a cortar o ferro ecoa no pavilhão dos sonhos. Está quase tudo parado. Daqui a duas horas, quando os voluntários chegarem do trabalho, vai ser uma azáfama até à meia-noite. Estamos no coração das Cavalhadas de Vildemoinhos, uma das festas de São João mais antigas do país e a mais icónica da região de Viseu.

É desta pequena localidade, mesmo à porta da cidade de Viriato, que há mais de 360 anos sai o cortejo, antigamente com animais e carroças engalanadas, hoje com carros alegóricos, grupos de bombos, cabeçudos, gigantones, fanfarras, bandas e ranchos folclóricos. No dia 24 de junho, Viseu enche-se de turistas, pessoas da terra e de fora concentram-se no Rossio para ver o corso, que este ano vai abrir com uma charanga da GNR composta por 30 cavalos.

Tudo começou em 1652, quando alguns agricultores de Vildemoinhos construíram represas no rio Pavia de modo a aumentarem a quantidade de água para as suas terras. Os moinhos pararam e os moleiros saíram à rua em protesto, queixaram-se que os lavradores lhes roubavam a água, ao que estes responderam precisar dela para regar as novidades. Houve tumultos e greves, mas as autoridades não se atreveram a decidir por qualquer dos lados.

Na noite de São João, os homens e mulheres da Broa Trambela reuniram-se de madrugada com gente da cidade no Terreiro do Maçorim – hoje Rossio – e dirigiram-se à capela de São João da Cerreira, onde ferverosamente rezaram ao santo, pedindo água para o Pavia. Repetiram-se os motins, policiou-se a estrada de Vildemoinhos. Não houve milagres e os moleiros foram rio acima e destruíram os açudes.

Os agricultores reclamaram ao juiz do povo, os interpelados responderam que não faltava fruta ou hortaliça na cidade, ao passo que o pão era caro e escasso. Seguiu-se o recurso para as autoridades de Lisboa, que deram razão aos moleiros. Para celebrar, vestiram os seus melhores fatos, enfeitaram os burros e cavalos e na noite de 23 para 24 de junho de 1653 foram em alegre galopada agradecer ao Santo Precursor. Atrás deles iam os serviçais, armados com sacholas, alavancas e roçadoiras, não fosse o diabo tecê-las. Em São João da Carreira dançaram, cantaram e louvaram.