100 anos após o seu nascimento, recordemos Saramago - "Vi a Ana do Castelo"

100 anos após o seu nascimento, recordemos Saramago  - "Vi a Ana do Castelo"
Santuário do Monte de Santa Luzia I Fotografia: Tiago Canoso

Diferente mas não menos belo é o que avistamos do Monte de Santa Luzia. Chegamos lá de funicular, sete minutos de viagem até ao ex-líbris de Viana do Castelo. O santuário, atrás de nós, faz lembrar o Sacré-Coeur de Paris, mas o olhar teima em virar-se para a frente, para o rio Lima que corre calmo até ao Atlântico e que, como escreveu Saramago, "se faltas­se, nos deixaria em grande estado de pobreza". Conta a lenda que, em tempos, num grande castelo de pe­dra vivia a princesa Ana, linda rapa­riga de cabelos louros, com duas tranças, faces rosadas e olhos claros. Por ser muito tímida, escondia-se quando alguém a olhava numa das raras aparições à janela. Um dia, apaixonou-se por um rapaz que mo­rava na outra margem do rio. O mo­ço ficava tão contente ao vê-la que, sempre que voltava, dizia eufórico: "Vi Ana! Vi a Ana do Castelo!" Tantas vezes repetiu estas palavras que as pessoas passaram a cha­mar Viana do Castelo à terra da princesa.

Quem por aqui passar em agosto, não deixe de assistir à romania de Nossa Senhora d'Agonia: as ruas da ribeira são enfeitadas de tapetes florais e os devotos fazem uma procissão ao mar. As belas raparigas minhotas vestem trajes de noiva, mordoma e lavadeira, levando ao peito autênticas obras de arte em ouro. À noite, a serenata de fogo-de-artifício ilumina toda a cidade. Faz-nos sonhar, mas é hora de visitar aquela que, por mais do que uma vez, já foi considerada a vila mais florida de Portugal. Ponte de Lima é um jardim, organizando anualmente um festival temático que atrai artistas de diversos países. Ao passar pelas ruas monumentais, serpenteadas de fachadas góticas, maneiristas, barrocas, neoclássicas e oitocentistas, pensamos nos milhares de peregrinos rumo a Santiago de Compostela. Nem todos saberão que aqui nasceu um mártir, Francisco Pacheco, missionário que andou pelo oriente e acabou queimado em fogo lento no Japão, sendo beatificado pelo Papa Pio IX em 1867.

Braga é a "cidade dos arcebispos", mas nos últimos anos anda nas bocas de muitos portugueses e outros europeus especialmente por causa do grande clube de futebol da ci­dade, o Sporting de Braga, que ainda recentemente con­quistou a Taça de Portugal. Esta é uma urbe com cerca de 2 mil anos, fundada pelos romanos em 16 a. C. como Bra­cara Augusta, em homenagem ao imperador Augusto. Braga foi a mais importante cidade do então território na­cional e uma das mais relevantes desse vasto império que se estendia pela Europa, África e Ásia. Uma história que não cabe em guias turísticos e jamais faria adivinhar que esta é uma cidade jovem, uma das mais jovens da Europa. Poderíamos visitar o santuário de Bom Jesus, contemplar a Sé e as infindáveis igrejas, mas preferimos dar atenção a Saramago. "Se quem a Braga vai, ao museu não foi, Braga não conhece". É o Tesouro-Museu da Sé de Braga, que guarda um espólio de inestimável valor, com peças que cobrem um período de 1500 anos e que, em muitos casos, sintetizam a vida cristã dinamizada a partir da Catedral.

Na Capela do Giraldo permanecem os túmulos de D. Henrique e D. Teresa, pais do primeiro rei de Portugal, que muito provavelmente comeu papas de sarrabulho, um dos ex-líbris da gastronomia minhota e o prato ao qual o escritor cantou louvores aquando do almoço em Barcelos. O autor deste artigo confessa que facilmente se perde pela iguaria, daí que seja melhor seguir a viagem até Guima­rães, onde nasceu o país. Se houvesse dúvidas, elas são desfeitas pelas letras gigantes na parece do castelo. Estamos a chegar ao Porto, fim deste périplo do nordeste ao noroeste, mas ainda há tempo de ir à Povoa de Varzim.