A arte do homo sapiens sapiens

A arte do homo sapiens sapiens
Fotografia: Montanhas Mágicas

Ao longo de anos os pastores e os moleiros andaram pelo vale do Côa sem saberem o tesouro que ali estava. Viam as gravuras, tentavam adivinhar o que representavam, e alguns faziam os seus próprios desenhos nas pedras de xisto. Nos anos 30 do século passado, o médico e escritor José Silvério de Andrade deu conta, num artigo de jornal, de algumas gravuras que descobrira, mas só na década de 90 o jovem arqueólogo Nélson Rebanda haveria de descobrir oficialmente os achados.

Por essa altura estava para ser construída a barragem do Côa e o cientista foi encarregue de fazer um estudo complementar aos já realizados, que haviam permitido avançar com a obra. Em 1994 conseguiu reconhecer quatro rochas com gravuras paleolíticas, graças aos abaixamentos momentâneos da água do rio, e pediu à EDP, empresa concessionária da infra-estrutura, que baixasse o nível da barragem do Pocinho para tentar descobrir se havia mais gravuras submersas, o que lhe foi recusado.

As obras começaram nesse mesmo ano e pouco depois foram encontradas novas gravuras, em Vale de Videiro, Vale de Figeiro e Ribeiro dos Piscos. Nélson Rebanda convidou então Mila Simões Abreu, membro do Comité Internacional da Arte Rupestre, a visitar o local, e esta informou a comunidade científica internacional do achado e do que estava a acontecer no Côa, levando o caso aos grandes meios de comunicação social. Os jornais The New York Times e The Sunday Times são dos primeiros a revelar a polémica. Jean Clottes, presidente do Comité de Arte Rupestre na Unesco, admitiu tratar-se da “maior estação paleolítica ao ar livre da Europa, senão do mundo”, mas aceitou a construção da barragem, assim como outros arqueólogos.

Contra eles estavam muitos outros investigadores e a sociedade civil de um modo geral. Com o slogan “As gravuras não sabem nadar”, milhares de estudantes do secundário criaram um grande movimento de denúncia e pressão, apoiado por cidadãos das mais variadas áreas. O Governo acabou por suspender a obra no final de 1995.