Brindar com verdelho e subir ao Pico
A primeira sensação é a estranheza. Porquê este solo preto aquartelado em muros de pedra escura e de onde brotam videiras? Ao fundo, a montanha mais alta de Portugal parece inalcançáve.O belo e o misterioso fundem-se para criar a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, património da humanidade desde 2004.
Desde o século XV, quando os navegadores portugueses aqui chegaram, o homem começou a construir longos muros de basalto em direcção ao interior da ilha como forma de proteger a vinha da água e dos fortes ventos marítimos. As videiras foram plantadas nos extensos campos de lava, guardados por esses milhares de pequenos recintos rectangulares, os “currais”, colados uns aos outros. Foi árduo trabalhar a rocha negra e dura, fabricar uma área até então totalmente improdutiva. O verdelho, assim de chamou a esse vinho, andou pela mesa dos czares russos.
Ao longo dos anos os habitan- tes foram construindo casas, solares, quintas, adegas, ermidas, portinhos e poços de maré. O Museu do Vinho, na vila de Madalena, guarda um alambique e um lagar de três bicas, memórias de uma cultura construída com resignação e suor ao longo de séculos. É um local mágico, envolvido por uma mata de dragoeiros de idade estimada entre 500 e 1.000 anos. O canal do Pico-Faial, o mar, a montanha, a arquitectura tradicional combinada com uma outra típica da América, completam o cenário de um espaço que se transformou pólo de atracção turística.
A escolha desta localidade deve-se à força da história e da paisagem, não só pela extensão da vinha mas também pela existência de um espaço que, durante séculos, foi dedicado ao fabrico do vinho: as instalações agrícolas que pertenceram ao Convento do Carmo, mansão de veraneio dos frades carmelitas sedeados na cidade da Horta.
O território classificado pela Unesco abrange parcialmente as costas Norte, Sul e Oeste da ilha, tendo como referência emblemática dois sítios, o Lajido da Criação Velha e o Lajido de Santa Luzia, espaços de uma enorme riqueza e beleza geológica e paisagística.“Estes sítios foram classificados por constituírem excelentes representações da arquitectura tradicional ligada à cultura da vinha, do desenho da paisagem e dos elementos naturais”, revela a Comissão Nacional da Unesco. Para valorizar a Paisagem Cultural da Vinha da Ilha do Pico, o Governo dos Açores criou em 2006 um programa de apoio financeiro destinado aos viticultores que visa a reabilitação das suas vinhas localizadas em áreas do Património Mundial e na zona tampão.
Os agriticultores que assinam um contrato de dez anos podem receber um máximo de 3.500 euros anuais por hectare para manter as vinhas em produção. Os que aceitam um contrato por 15 anos poderão receber um máximo de 20.000 euros por hectare para reabilitarem vinhas abandonadas, usando castas e métodos tradicionais da ilha do Pico. Segundo a Comissão da Unesco em Portugal, após nove anos de projecto a área em produção cresceu de 75 para 126 hectares.
Este vasto património mundial está hoje à distância de um clique, graças a uma aplicação para as plataformas Android e iPhone com imagens e informação oficial e actualizada sobre a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico e o seu Parque Natural, bem como os centros de interpretação e os trilhos pedestres. Na área protegida foram criados três per- cursos – Caminhos de Santa Luzia, Santana – Lajido e Vinhas da Criação Velha, este último considerado um dos oito “trilhos únicos” do mundo pela editora de guias de viagens independentes BootsnALL.
A diversidade de fauna e flora é outro dos tesouros da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, pois aqui vivem muitas espécies e comunidades endémicas, raras e com estatuto de protecção, como a Myrica faya, uma planta de crescimento rápido frequentemente utilizada para fazer abrigos.